Acordando com o rádio

Nesta época de redes sociais, ainda sou dos que acordam com o rádio

Nesta época de redes sociais, ainda sou dos que acordam com o rádio. É uma garantia de que escutarei notícias, não fakes. Imagine se, naquela mesma manhã, na Casa Branca, Donald Trump tiver tropeçado no próprio topete e fraturado a uretra. Se for verdade, é algo de que precisamos ficar sabendo em tempo real.

Nos anos 50, foi pelo Repórter Esso e pelo O Globo no Ar que ouvi as notícias da morte de Francisco Alves, Getulio Vargas, Carmen Miranda, James Dean e Oliver Hardy, o Gordo de O Gordo e o Magro. Infelizmente, nenhuma delas era boato.

Durante muito tempo, a divisão entre o rádio e seus ouvintes era mais nítida. Cada qual ficava em seu lado do dial, e isso parecia muito natural. As únicas possibilidades de um ouvinte se ouvir no rádio eram se fosse entrevistado na rua, telefonasse para pedir música ou cantasse no programa de calouros.

Hoje, principalmente nas rádios que só tocam notícia, não é mais assim. Os ouvintes são estimulados a participar da programação, telefonando para a emissora a fim de dar notícias sobre o que está acontecendo no seu bairro ou rua. E, com isso, temos:

Há um tiroteio na Praça Seca, em Jacarepaguá. Vazamento de água da altura de um chafariz está inundando a rua do Matoso, na Tijuca. Acidente envolvendo dois ônibus fechou uma pista da avenida Brasil na altura de Bonsucesso. Engarrafamento na ponte Rio-Niterói faz com que a travessia sentido Rio esteja levando 23 minutos. E por aí vai. Só notícias chatas, desagradáveis. Gostaria de, um dia, ser acordado ao som de:

Garças sobrevoam a Lagoa. O sol está nascendo de uma maneira incrível atrás da igreja da Penha. Há um ipê amarelo todo florido na Gávea. O mar está cristalino no Arpoador, dá até para ver os cardumes. Acabo de passar por um casal apaixonado se beijando numa praça do Grajaú. 

Essas coisas também acontecem todo dia no Rio. Talvez por isso não sejam notícia.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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