Tempos de sofrência

Minerar, sindemia, flopar, kit-net, meia culpa —conhece?

Há tempos venho me sentindo como Rip van Winkle, um personagem de ficção que, um dia, resolveu dar um passeio fora de sua aldeia. Caminhou horas, subiu uma montanha e recostou-se sob uma árvore para dar um cochilo. Fechou os olhos e dormiu por 20 anos. Acordou sem saber de nada, voltou para sua terra e, lá, estranhou não reconhecer seus conterrâneos nem entender certas coisas. Ao dar um viva ao rei inglês, fizeram-lhe cara feia —ele deveria ter vivado o presidente americano, George Washington. Rip não sabia que, enquanto dormia, seu país ficara independente. O autor dessa história, lançada em 1819, é Washington Irving.

Assim como Rip van Winkle, abri o jornal outro dia e li: “Ataque derruba defesa de PCs para minerar moeda virtual”. Boiei. Sei muito bem que minerar significa escavar, extrair —extrair de uma mina, por exemplo—, mas a frase continuou um mistério. Em outro jornal, deparei com o título: “Sindemia é maior ameaça à saúde humana e do planeta”. Alarmado, corri ao dicionário —o que seria uma “sindemia”? Mas o Houaiss e o Aurélio também devem ter dormido por 20 anos, porque não a registram. Reli o artigo e continuei sem entender. Parece ter a ver com a desnutrição ou com a obesidade ou talvez com as duas.

Tenho tentado me atualizar com certas expressões ultimamente comuns no noticiário. Duas pessoas “dão um match”, ou seja, combinam. Fulana “é o crush” —a paquera— do Beltrano. Há semanas, li que Bolsonaro “flopou” —fracassou— em Davos. Só falta alguém escrever que Sicrano “baixou um app para levar seu pet na bike”. E aprendi no Online uma nova e deliciosa maneira de grafar kitchenette: kit-net.

Na TV, um locutor disse que não sei quem iria fazer “meia culpa” —o latim mea-culpa, imagino. Outra pronunciou o francês “Belle Époque” como “béli-époki”. 

Tempos de “sofrência” para quem lê ou ouve.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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