Em defesa do “Gulp!”

Ruy Castro – Folha de São Paulo

Entre a redação desta coluna e sua publicação, não importa quantas horas transcorram, é certo que o presidente Michel Temer terá anunciado alguma urgente medida da qual, por impropriedade constitucional, política ou mesmo moral, foi logo obrigado a desistir. É o seu estilo —o do se colar, colou. Em sua retrospectiva de 2017, no dia 30 último, a Folha fez um levantamento desses recuos e ilustrou-o com uma foto em que Temer, em close, está claramente fazendo “Gulp!”.

O problema é: em 2018, a expressão “Gulp!” será assim tão clara? A palavra vem do inglês, e significa “engolir depressa, de uma só vez”. Nas histórias em quadrinhos, quando um personagem se arrepende de ter dito ou cometido alguma coisa, o balão o mostra fazendo “Gulp!”, como se ele a estivesse engolindo. Ou mostrava —porque acho que, de uns tempos para cá, ninguém mais faz “Gulp!”. Faz “Oops!”.

Pelo menos, só tenho lido e ouvido “Oops!” em legendas de charges políticas e artigos de jornal e dito por locutores de rádio e TV —pronunciado “Uups!”, claro, ou não seríamos uma aplicada colônia linguística. Nada contra “Oops!”, e só lamento porque acho “Gulp!” mais expressivo.

Assim como considero o clássico “Ha! Ha! Ha!”, para indicar uma gargalhada, muito mais nobre e dignificante do que os intermináveis “KKKKKKKKKKKK” com que as pessoas passaram a cacarejar por escrito pela internet. Estamos perdendo, inclusive, a riqueza de variações do “Ha! Ha! Ha!”, que eram o “He! He! He!”, o “Hi! Hi! Hi!”, o “Ho! Ho! Ho!” e o “Hu! Hu! Hu!”, cada qual representando um jeito de rir.

Temo que, a continuar essa tendência, não demoremos a trocar nossa eficiente interjeição de dor, “Ai!”, pela engessada “Ach!” dos americanos, e o nosso maravilhoso, quase cômico, som de espirro “Atchim!” pelo “Atchoo!” deles.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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