S.O.S. INACCROCHABLE – Lutar com palavras é a luta mais sã

É tempo de Paris, de novo. Por culpa do Woody Allen, Paris voltou a ser uma festa móvel. E chega em forma de filme aqui no Brasil e no resto do mundo. Por isso, nada melhor do que ressuscitar um termo que Miss Stein esfregou na cara do jovem Hemingway. Por uma feliz coincidência, acabei de reler O grande Gatzby, do Fitzgerald, e Paris é uma festa, do Hemingway. E folhei a Autobiografia de Alice B. Toklas — escrita por Gertrude Stein.

Como todos já sabem, Gertrude Stein era uma espécie de anfitriã para americanos desgarrados da pátria, à procura de fama e fortuna em Paris. Hemingway foi um deles. Recém-casado, ele frequentava a casa famosa da Rue de Fleures, 27 e ficava lá ouvindo a preleção de Miss Stein. Quando ia com a mulher, Hadley, Alice é que se encarregava da conversa cotidiana com ela. O papo intelectual era exclusivamente dos escritores com Miss Stein. Miss Stein e Alice moravam juntas.

Foi logo numa das primeiras conversas que Hemingway mostrou a ela um conto chamado em Michigan e levou a palavra inaccrochable como um direto no queixo. Atrás da palavra veio a definição — significa aquele quadro que o pintor faz e depois não tem coragem de pendurar na exposição. O conto Lá em Michigan é erótico e Hemingway nunca o enviou para publicação por conta do pito que levou. Curioso é que ele agora abre o livro de contos selecionados do autor, pelo menos na edição brasileira.

Miss Stein é famosa pela visão que tinha do poder da pintura. Ela comprava quadros de pintores novos e sua casa era uma exposição permanente e maravilhosa. Segundo Hemingway, “Miss Stein era uma pessoa corpulenta mas não alta, e pesadona como uma camponesa. Tinha belos olhos e um vigoroso rosto germano-judaico, que também poderia caracterizar alguém de Fruili, pois ela me lembrava uma camponesa do norte da Itália, com as roupas, a face móvel e os grossos e brilhantes cabelos de imigrante, que ela usava penteados para cima, no mesmo estilo que provavelmente adotara nos tempos de colégio. Falava sem parar e, a princípio, a respeito de pessoas e lugares”.

O conto Lá em Michigan, porque havia ficado de lado, foi um dos dois que não foi roubado junto com todos os originais escritos até aquela época. Hadley tinha colocado tudo numa maleta e ia levar pro Hemingway. Na Gare de Lyon passaram a mão na maleta. Como os originais nunca mais apareceram, o ladrão deve ter jogado tudo no Sena.

Miss Stein, na Autobiografia de Alice B. Toklas, dá uma pavoneada e diz que seu livro Making of americans foi o livro que realmente iniciou a literatura moderna. Não sei, não li. Tem tradução? Vou procurar. Não sei se Gertrude Stein ainda é lida. Hemingway sei que é. Ele influenciou toda uma geração no mundo. Realmente, Hemingway — assim como Guimarães Rosa e Jorge Luis Borges — é grudento. Seu estilo pega no leitor/escritor e não quer largar. Só que a imitação é difícil. Assim com um estilo Bukowski-bêbado-tô-nem-aí-e-sebento ainda reina nos textos dos mais conhecidos escritores brasileiros.

PS. Segundo Hemingway, Miss Stein não foi autora da célebre definição génération perdue. Ela foi dita por um dono de oficina mecânica diante do carro quebrado de Miss Stein. Ela apenas pegou o mote e chamou todos os jovens do pós-guerra de bêbados e desrespeitosos. Sob protestos do Hemingway. Mas pegou.

Rui Werneck de Capistrano é autor de Nem Bobo Nem Nada. Já leu?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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