S.O.S. MacGuffin – Lutar com palavras é a luta mais sã

O filme Um homem sério, dos irmãos Coen, tem uma introdução que, acho eu, é o mais longo MacGuffin do cinema. Você não está entendendo nada, mas não se preocupe. Só fui entender depois que tomei conhecimento da palavra — nome próprio — MacGuffin. Que, apesar disso, é um nome fictício criado por Alfred Hitchcock.

A introdução mais longa, segundo os próprios autores/diretores, não tem nada a ver com o filme Um homem sério. Logo, é um MacGuffin. Hitchcock criou esse artifício pra designar uma cena com algum elemento que, embora contribua pro desenvolvimento geral, não tem explicação.  Se você assistiu ao filme, vai lembrar que a introdução é toda em cor sépia e ilustra uma lenda dos judeus. Não vou descrever, mas ela aparece antes dos créditos e deve durar uns cinco minutos. Aí, começa o filme propriamente — colorido.

Tive mais contato com o termo lendo um livro seminal sobre cinema e literatura. O autor examina detalhadamente o roteiro de Pulp fiction e acha um MacGuffin. Vincent olha hipnotizado pra dentro de uma mala e o diretor Tarantino não se dá ao trabalho de explicar ou mostrar o que é. Simboliza alguma coisa importante pros personagens e fim de papo.

Não sei há quanto tempo Hitchcock havia inventado isso. Sei que uma vez, lá pelos anos 70, criei um desses artifícios e não tinha onde colocar. Numa mesa de boteco, contei pro Oraci Gemba, que era autor e diretor de teatro em Curitiba. Papo de bêbado não tem dono. Aí, ele usou numa das peças dele! Sem pedir nem nada. Fui assistir ali no Guairinha e, numa certa altura, o personagem falava de um livro que tinha na mão dizendo que ele o havia ajudado muito. Que devia muito àquele livro e coisa e tal. Só que não mostrou que livro era nem nada. Era importante só pra ele. Fiquei meio indignado com isso, mas não tinha nem amizade com o autor/diretor. Era tempo de papo de boteco com jornalistas, publicitários, escritores, autores e diretores de teatro e muita gente que apenas tinha sonhos de grandeza.

Foi assim que nasceu um livro meu que ainda está no limbo — Ideia não tem ombro. Nele, conto diversas passagens com ideias que escapam do autor e acabam caindo em ouvidos de espertinhos.O grande mentor foi David Ogilvy, publicitário norte-americano, que tinha o lema mais importante da propaganda: Nunca dê ideia pro cliente quando ele estiver passando o briefing. Ideia custa caro. Por maior que seja o ímpeto de agradar — cale-se. Trave a língua. Mesmo que tenha um insight daqueles geniais — engula o ego. Leve pra agência, destrinche o job e… VENDA. A ideia que você dá na hora — mesmo a mais genial — não vale nada. O cliente pode muito bem dizer que já tinha pensado e-xa-ta-men-te naquilo e que ia mesmo usar. Aí, lá se vai o faturamento da agência.

Voltando ao MacGuffin — tente achar um nos filmes. Pode valer pelo exercício de entrever o mestre Hitchcock nos seus próprios filmes. Quanto ao livro seminal sobre cinema e literatura — seria aqui um MacGuffin?

Rui Werneck de Capistrano

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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