Quando Bob Dylan virou samba

Éramos todos uns malucos, ainda que Sérgio Mercer fosse trabalhar muitas vezes de terno e gravata. Solda bebia e, fumando, já esperava. Trabalhávamos na P.A.Z., agência de publicidade na esquina de Mateus Leme com Davi Carneiro, duas quadras abaixo da Praça do Gaúcho. Por ali perambulávamos, gazeando serviço e preparando o organismo para o início dos trabalhos alcoólicos, ao fim das tardes. Pois foi em uma tarde daquelas que descobrimos o antigo Bar América, em frente ao cemitério, saindo de cena. Em seu lugar entrava o Bar Rei do Siri, dirigido por um catarina que imaginamos boa praça, até porque era na praça que tratava de estabelecer seu boteco.

O tal Catarina depois revelou-se um mala, de tal forma que seu nome já foi esquecido no sexagésimo terceiro escaninho dos fatos inúteis. Ficou a lembrança da sua frase preferida, “Deixa pro beque”. Quem melhor nos tratava era uma moça de bons propósitos, a Lurdes. Passamos a divulgar o Rei do Siri a bandeiras desbragadas – ou seriam as bandeiras despregadas e desbragados seríamos nós? O fato é que a cada dia a mesa comandada por Sérgio Mercer aumentava de tamanho.

Mercer, Solda e Chico Branco haviam composto uma paródia deliciosa de Garufa, o Siri Tango, que era o hit, o must da noite na impagável interpretação de Sérgio Mercer e seu bandoneón imaginário. Até que a coisa excedeu. Na mesma mesa, certa quarta-feira, estavam pasmem todos – além de nosotros anfitriões – Jaime Lerner, Dalton Trevisan, Paulo Leminski, Nireu Teixeira, Caio Soares, Miran, Tataio Bettega, Rogério Dias, Alice Ruiz, Dico e Raquel Kremer, Carlos Eduardo Zimmermann e duas figuras chegadas do Rio de Janeiro: o gaúcho José Monserrat Filho, jornalista e advogado, naquela época defendendo-se em uma agência de publicidade, e Pedro Galvão, paraense, diretor de criação da LM Propaganda. Ambos estavam em Curitiba para um evento de criação publicitária.

Não lembro como aquilo terminou. Sei que, dia seguinte, a cabeça repuxando para a Namíbia, garganta seca, estômago revirado, tivemos que encarar a hora do almoço para terminar uma campanha que tínhamos deixado para a última hora. Foi quando alguém lembrou que um dos presentes parecia não ter gostado da noitada. Havia até mesmo reclamado que não gostava de tango, preferia Bob Dylan. Ora, Bob Dylan em mesa de buteco? Pois é, assim saiu o Samba do Bob Dylan, cuja letra passo aos leitores:

Encontrei o Bob Dylan
No Bar Rei do Siri
Comendo uma casquinha
Tomando Bacardi
Cheguei e perguntei
Alô, my boy, você aqui?
Yes, me respondeu
“Gente boa”, estou aí.
Pegou sua guitarra
E pôs-se a cantar
Like a Rolling Stone
Pirelli e Firestone
If Not For You
Florianópolis, Camboriú
Gente boa eu vou chegar
Farewell, deixa pro beque
Amanhã I shall come back
No dia seguinte
O Bob apareceu
Com seu amigo Dico,
O Leminski e um judeu
Disse “Lurdes, venha cá”
Doze brahmas vou tomar
E a conta da patota
Você dá pro Monserrat
Raquel muito agitada
Previa confusão
Rogério deu no Dante
Tremendo bofetão
Bateu a dona justa
E levou Pedro Galvão
Que gritava Bob Dylan
Veja só que situação (breque) Eu cheguei de avião
E vou voltar de camburão.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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