Sessão da meia-noite no Bacacheri

Sieranevada. Direção de Cristi Puiu; 2016; 2h 53 minutos;  Romênia, França, Bósnia, Croácia, Macedônia.

O cinema romeno passou a ganhar mais visibilidade após a conquista da Palma de Ouro pelo devastador (e excelente) 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, abrindo espaço para outros cineastas que figuraram em festivais mundo afora. Entretanto, dois anos antes deste feito, a produção local obteve destaque com o elogiado e pouco conhecido A Morte do Sr. Lazarescu, vencedor da mostra Un Certain Regard em Cannes. Agora, 11 anos depois, o diretor Cristi Puiu enfim estreia na mostra competitiva com o conceitual Sieranevada.

Com quase três horas de duração e sem um clímax propriamente dito, Sieranevada é na verdade um grande exercício de narrativa, anunciado logo em suas primeiras sequências. Basta reparar na cena antes e imediatamente após os créditos iniciais, que trazem o contraponto entre a contemplação do momento, com uma câmera que jamais sai do lugar, e a explosão dos diálogos exaltados, em uma discussão acalorada dentro do carro. O filme é todo assim, alternando calmarias e rompantes.

Tal decisão conceitual é ainda sustentada por dois diálogos-chave. O primeiro, mais sutil, surge logo na citada discussão no carro, envolvendo as mudanças ocorridas nos contos de fadas em suas adaptações feitas pela Disney. Por mais que tal comentário seja inusitado, e até divertido pelo contexto ressaltado, trata-se de uma analogia com a visão clássica de uma família: unida e amiga. Aqui, Puiu deixa de lado os contos de fadas puritanos para mostrar o núcleo familiar como ele é, com direito a desavenças, brigas e picuinhas do passado – mas sem um segredo devastador oculto, nos moldes de Festa de Família. Ou seja, uma família normal.

O segundo diálogo surge com cerca de uma hora de duração, quando um personagem ressalta que “há uma regra nas conversas: elas são em turnos”. Assim também é no filme, com temas surgindo e indo de repente, alguns retomados tempos depois e outros simplesmente abandonados no vazio das palavras ditas. E isto vale tanto para questões mais sérias quanto para banalidades, que surgem aos montes no roteiro escrito pelo próprio diretor, e até mesmo com alguns personagens. Ou seja, mais uma vez o conceito por trás da proposta se sobressai à própria história – o que não é demérito algum, é sempre bom ressaltar.

É bem verdade que, sabendo das dificuldades de assimilação de seu novo filme, Cristi Puiu foi esperto ao, de certa forma, dividir seu longa entre três momentos distintos: a espera pelo padre ortodoxo, quando todos os códigos de narrativa são estabelecidos e revelados; a aparição do padre em si, quando surge o contraste entre a devoção e a descrença entre integrantes da família; e o popular barraco, quando é hora de lavar roupa suja de vez. Tais pontos altos servem de norte dentro do longa-metragem, sendo também uma espécie de “mini-clímax” a cada terço do filme.

A grande questão é que, por mais que Sieranevada seja bastante interessante pelo lado conceitual e pela forma como foi rodado, com uma câmera ora estática ora com movimentos muito bem estabelecidos e limitados, isto não impede que seja monótono. Afinal de contas, são 173 minutos de uma intensa verborragia que, por mais que ofereça alguns bons diálogos sarcásticos, não se justificam. Nem mesmo pela coesão do elenco como um todo, que transparece uma naturalidade decorrente do convívio difícil de ser obtida. Ou seja, trata-se de um caso típico de cinema onde a forma prevaleceu sobre o conteúdo, com todas as benesses e agruras que isto possa trazer. 

Francisco Russo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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