Silas chegando

Junho de 2011. Cheguei em casa, à noite, e tinha um cara em cima da mesinha do computador. Ei, o que tá fazendo aí? Ele, que tinha tirado a capa bege tipo detetive e estava todo vestido de bonitas cores, não me respondeu. Ficou ali, empoleirado igual o corvo — um corvo bem colorido, em todo caso — do Poe. Cheguei mais perto, afinal era meu quarto, e ele me disse: — Olha, cara, está tudo muito claro: só quero te ver bem longe de mim. Assim, secão! Saí de perto e tentei ser amistoso. Tudo bem? De onde veio? Posso ajudar? Ele se acomodou melhor e me lascou: — Fugi de casa, em BH, e minha mãe tá me procurando feito doida. Bem, e o que é que eu tenho com isso?  — É que me tornei estuprador! Me jogou na cara. Claro que me espantei. O número 190 bailou na minha cabeça. — Meu nome é Alberto Fonseca Júnior, mas pode me chamar de Silas. Por que eu chamaria, né? O cara chega, se empoleira na mesinha do meu computador, me olha de um jeito esquisito, diz que é estuprador — e tenho que achar tudo normal?! E chamar de Silas?!

Corta pra 1986. Foi um ano muito bom. Eu trabalhava na agência PMN com o Neri, o Celso e o Antonio. O Neri e eu, além de criar, produzir e gravar noventa comerciais por ano, tínhamos tempo pra fazer a tira do Bife Sujo & Cia., programar exposições e escrever contos. Sem esquecer das cervejas no bar Bife Sujo. O livro-talão de cheques fez sucesso com o desenho do Neri e os meus textos. Sucesso no Brasil. Choviam pedidos. Um deles veio de Belo Horizonte, de um tal de Sérgio Fantini. Começou aí a troca de tiros, digo, de cartas entre nós. Nós, o Neri e eu, separamos assim: as cartas de malucos ficavam com ele, as mais intelectuais, comigo. O Fantini estava na segunda categoria, embora não a última. Mandei o livro e depois nasceu uma amizade por carta. Os interesses literários nos aproximaram e apareceu um concurso de contos da Editora Brasiliense (extinta). Eu mandei dois, pois tinha duas categorias: contos jovens e jovens contos eróticos. Saiu o resultado e meus dois contos entraram. Olhei os outros ganhadores e reconheci logo o Antonio Barreto, o Véio Barreto, de Belo Horizonte. Depois, vim a conhecer outro monstro do texto lá de Minas — Caio Junqueira Maciel — que também foi ganhador. Em seguida, o Fantini mandou carta dizendo que tinha entrado com dois contos. Um em cada categoria. Ops! Cadê o nome dele? Ele havia feito uma jogada de mestre: mandou um conto erótico chamado Por que me tornei estuprador – com o pseudônimo Alberto Fonseca Júnior – e uma carta, assinada pela mãe do Alberto, dizendo que ele havia fugido de casa. Mas tinha deixado um envelope fechado destinado ao concurso. A mãe mandou o envelope e a carta achando que — se o conto fosse publicado — ajudaria a encontrar seu filho querido. O júri entendeu que a carta era um conto – e bom – e classificou pra publicação. A carta tem o título de Belo Horizonte, 21 de agosto de 1986. Logo vi que era a data do meu aniversário. Uma coincidência fantástica, né?

Agora, depois de 25 anos, o Fantini lança um livro comemorativo de eventos da vida dele, chamado simplesmente de Silas. Capa bonita, edição da Jovens Escribas bem cuidada, novela e contos ótimos. Aí, Silas virou pra mim e disse: — Hoje é um bom dia para recomeçar e dizer às pessoas como se sente.

Estranhei a candura da proposta, vinda de um estuprador, mas não disse nada. Apenas abri o livro e…

Rui Werneck de Capistrano é autor de Nem Bobo Nem Nada. Que você só vai ler de graça emprestando da Biblioteca Pública do Paraná.

Pedidos pelo e-mail sergio.fantini@gmail.com

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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