Só faltaram os pontos de exclamação

Ora, ora, ora! Pensei que eu era o único idiota com opinião tão absurda. Sempre fui contra motos, detesto motos e se fosse presidente do mundo, o primeiro (ou segundo – o primeiro seria a extinção do dinheiro) ato que tomaria seria a proibição do uso de motocicletas – uma temeridade no trânsito nosso de cada dia. Para os transeuntes, motoristas e motoqueiros.

Agora, sou surpreendido com a opinião do engenheiro e sociólogo Eduardo Alcântara Vasconcellos, especialista de dados sobre o trânsito das cidades, no UOL, provedor de internet e versão online do jornal A Folha de S.Paulo:

– É difícil encontrar na história do Brasil, fora a escravidão, um fenômeno social tão destrutivo quanto a motocicleta.

Só faltou o ponto de exclamação no final da frase.

Autor do recém-lançado livro “Risco no trânsito, omissão e calamidade” (ed. Annablume), Vasconcellos se refere às mortes registradas em acidentes de motos. E cita que, em 2015, 74% dos pedidos de indenização por morte ou invalidez no trânsito de São Paulo se originaram de acidentes com motocicletas, que representam apenas 19% da frota de veículos no Estado.

Outro ponto de exclamação ficou faltando no final da frase.

O especialista vai em frente, provando que contra fatos não há argumentos:

“Desde a introdução da motocicleta no Brasil, pelo menos 220 mil pessoas morreram e 1,6 milhão ficaram permanentemente inválidas devido a quedas e colisões com as motos, conforme levantamento da seguradora Líder, responsável pelo DPVAT (seguro obrigatório), totalizando 1,8 milhão de acidentes”.

Mais um ponto de exclamação poderia muito bem encerrar a frase acima.

Mestre e doutor em política pública pela USP, com pós-doutorado na Universidade de Cornell (EUA), Eduardo Alcântara Vasconcellos analisa as políticas públicas que incentivaram a disseminação de motocicletas pelo país, assinalando que, entre 2012 e 2014, o governo federal adotou a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para a indústria automotiva, reduzindo o custo de automóveis e aumentando a frota de veículos no trânsito, enquanto fabricantes de motocicletas instalados na Zona Franca de Manaus se beneficiavam com a isenção do imposto.

Resultado: desde 1990, o número de motos aumentou de 1 milhão para 20 milhões e só entre 2011 e 2014 o número de acidentes anuais saltou de 194 mil para 497 mil – alta de 156%.

Aqui o uso de pelo menos três pontos de exclamação seriam adequados.

O sociólogo vai além e conclui que “em 300 anos de escravidão no Brasil, estima-se que cerca de 640 mil negros morreram durante o deslocamento transatlântico forçado por traficantes, segundo um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Emory, em Atlanta, nos EUA”. Quer dizer: foram 640 mil mortes em 300 anos. Em apenas três anos, 497 mil brasileiros perderam a vida ou ficaram inutilizados por montar em uma motocicleta!!!

E as exclamações fecham a frase porque eu as coloquei e calham à fiveleta.

Ah, as motos são necessárias, atendem à população de menor renda, além de representar enorme sucesso financeiro? Argumentos furados, inaceitáveis para Vasconcellos. Estou com ele. Nenhuma dessas alegações justifica o custo social de um meio de transporte de enorme risco e nenhuma segurança.

Vasconcellos concorda que, fora da rua, a motocicleta é um veículo conveniente: “É barato, consome pouco combustível e você consegue estacionar com facilidade. Mas critica veementemente a forma como ele foi introduzido no trânsito, ou seja, sem os devidos cuidados”.

Ele garante que a moto chegou sem a devida preparação. E não só dos motociclistas como dos demais participantes do trânsito: os pedestres, que sofrem atropelamentos nos cruzamentos porque não sabem enfrentar um veículo superágil, que arranca assim que o sinal verde abre; os motoristas de carros, ônibus e caminhões, cujos espelhos retrovisores não conseguem focalizar a moto que se aproxima; e, sobretudo, a grande maioria dos motociclistas que dirige sem nenhum cuidado e não respeita as leis do trânsito.

Alcântara Vasconcellos acha que ainda se poderá salvar a motocicleta, se restringir-se o seu uso, não permitir a circulação entre os carros e reduzir os limites de velocidade. Como eu não acredito que isso venha a acontecer, pessoalmente acho que os pontos de exclamação continuarão sendo usados enquanto as motocicletas não forem abolidas das ruas das cidades!!!

P.S. – Que venham as bordoadas, mas com argumentos, por favor!

Célio Heitor Guimarães

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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