Tadinho!

Tati Bernardi – Folha de São Paulo

Acho que estava ocupada demais trabalhando 15 horas por dia, mas foi tirar férias (primeira vez em infinitos anos) para perceber um fenômeno que ocorre na minha casa e provavelmente na sua: os homens, esses seres tão especiais e “desatentos por natureza e não por culpa deles”, são tratados diariamente como tadinhos (e já acostumamos tanto que nem nos chocamos!).

Poxa, já basta “aturar uma mulher”. Eita, aceitou dividir o condomínio! Virge, não é que ele cedeu seu supremo esperma pra fazer nenê! E você ainda vai querer que ele não transforme a casa em uma área abandonada após tsunami? Custa você levantar do chão, depois de tropicar pela décima vez em um dos 20 pares de sapatos espalhados pela casa, e rir? Cuecas e meias nasceram para os cantinhos, você que é chata! Tadinhos deles!

Minha mãe labutou sem parar dos 15 anos até pouco tempo atrás. Dirigia mais de duas horas por dia, aos 60 anos, porque morava em Perdizes e trabalhava em Guarulhos. Me ajudou financeiramente no meu primeiro carro e no meu primeiro apartamento (já dei tudo em dobro, inspirada nos flanelinhas que me garantiram ser o que Deus fará por mim). Na época em que agências de publicidade, produtoras de cinema e emissoras de TV me recompensavam com valores ridículos (achando que “bastava o glamour de estar com eles”) mamy, com seu salário de secretária, nunca deixou de me socorrer. Apesar disso tudo, domingo era dia de receber o ex-marido, vulgo meu pai, pra almoçar, e cozinhar uma tonelada de macarronada (que ele levaria e comeria por alguns dias). “Nossa, tadinho, ninguém cozinha pra ele!”

A Maria, que trabalha pra mim há 15 anos, e pra quem dei, do meu esforçado bolso, dois aumentos merecidos só nesse primeiro semestre, esquece mais da metade do que lhe peço da feira, mas se acabar o ovinho que ela faz de café da manhã pro meu marido, fico aturando o “tadiiinho” ecoando pela casa. “Como ele vai sair pro trabalho sem o ovinho?”. Pensemos aqui na origem das palavras coitado e chocada, usadas no texto.

Nunca vou esquecer quando um ex-namorado inventou uma obra “simples” que duraria cinco meses. Tratei sozinha com empreiteiro, pedreiro, pintor, marceneiro, arquiteto. Negociei os valores, paguei a maior parte, enlouqueci com os atrasos e com os erros. Decidi o lugar de cada prego, de cada móvel, de cada luminária. No dia da mudança, me vi pegando caixas pesadas, subindo em escadas bambas para guardar roupas e objetos… ele se arrumou bonitinho para ir “a um churrasco da turma” e disse que na volta faria tudo, para eu descansar. Não topei, além de odiar caixas pela casa, havia cinco anos eu aguardava ansiosamente por este momento em que ele resolveria alguma coisa (qualquer coisa!). A mãe da criança de 40 anos, que estava por perto, saiu rapidamente em sua defesa: “Deixe ele ir, tadinho!”

Ontem fiquei das sete da manhã até uma da tarde no hospital, fazendo uma quantidade bem chata de exames “de grávida” que me invadiram, furaram e viraram do avesso. Meu marido ficou lá comigo, parceiro, olhando o Instagram. E o que todas as enfermeiras e médicas acharam disso? E o que eu e minhas amigas achamos disso! Que fofo! Tadinho!!! Alguém nos salve, por favor.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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