Temos mas tamos em falta

Outro dia me dei conta de que estava sem critério. Nem lembro pra quê precisava, mas não tinha. Depois de revistar minuciosamente a mim mesmo, procurei pela casa inteira. Nada de critério. Claro, na falta dele, a busca é feita de forma não criteriosa.

O jeito foi sair para me abastecer, lá fora eu acharia. Afinal, critério é o alicerce da civilização. Ou é o telhado da sociedade? Talvez o corrimão da vida. Vê como não ter critério afeta a visão das coisas?

O mais prático é o comércio, que tem critério de moda, de utilidade, de funcionalidade. Entrei numa lojinha de R$1,99 e logo constatei: se não têm qualidade, vão ter algum critério? Percorri algumas vitrines e desanimei: não há critério à vista.

Na banca da esquina, folheei jornais e revistas. Triste. Pelas manchetes e textos, percebe-se que a maioria dos veículos já não tem nenhum critério. Por tabela, descartei a internet.

Quem sabe orientação profissional? Com médicos e advogados tive que considerar uma segunda, terceira, até quarta opinião, todas desprovidas do critério que eu queria.

Depois de me desiludir com artistas e intelectuais, que há muito também necessitam de critérios, arrisquei encanadores, eletricistas, pintores, e eles dizem que a ferramenta não funciona. Até cogitei de consultar políticos mas desisti – a última campanha eleitoral mostrou preocupante ausência de critérios.

Restava recorrer à sabedoria de pensadores e filósofos, educadores e até de formadores de opinião. Prestei atenção nos talks-shows onde se prestam à participação e acabei por concluir o inesperado: que eu sem critério me guio melhor que eles com o deles.

Ainda havia muito que cavocar atrás de critério, o dia findava, a necessidade aumentara. Porém, sem ele, não se tem a noção certa de onde ir, do que fazer, qual interjeição usar. Diacho!

Como o prazo para entregar o texto se esgotara, ele ficou assim mesmo, descriteriado. Ou descriterizado? Se o leitor julgar este conteúdo criteriosamente, bom sinal. Algum critério ainda resta no mundo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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