The fuckable classmate

Onde foram parar as pessoas com quem eu transaria?

“Ah, como é difícil, né?”, minha amiga do grupo de estudo lamentou, tentando alongar o pescoço sempre rígido. “Sim, quase impossível entender Lacan.”, respondi. “Não, besta, me refiro a não ter ninguém aqui com quem eu transaria.” Rimos. Então ficamos catatônicas. 

Por motivos de matrimônio monogâmico (um dia ainda supero isso) e excessivo sono materno (um dia ainda supero isso), hoje, além de meu consorte, eu não transaria com ninguém com quem eu transaria.

Ainda assim, como é bom ter por perto pessoas com quem eu, caso estivesse transando, transaria. Não é para fazer sexo, é só para pensar: “Opa, olha lá um ser humano que me daria vontade de pentear meus cabelos, botar uma roupa limpa e me tiraria dessa desistência erótica com pitadas de moda mendiga”. E, sim, esse texto vai ter repetição de verbo, porque para algum lugar o acúmulo de energia deve ir.

No breve curso de roteiro que fiz recentemente, um amigo americano quase desistiu das aulas: “Poxa, Rio de Janeiro, eu crente que conheceria algum ‘fuckable classmate’ e NADA”. Pois é. Carecas cabeludos.

Tênis de correr com bermuda jeans. Jaqueta mofada GG naquele calor. Defensores do Moro. Perguntas imbecis tipo: “Mas se essa é uma regra para roteiro de comédia, como o senhor pode afirmar que toda boa comédia é também um bom drama?”. Onde foram parar os cariocas transáveis de outrora, que costumavam mostrar mais pele e menos demência?

Fiz uma pós em letras na USP. Me perguntavam se eu estava lá como ouvinte, e eu tinha vontade de responder: “E como transante também, pena que não tem ninguém aqui com quem eu transaria”. Todos os moços tinham aquela nuca muito redonda e cabeluda. Vocês sabem como é? Parece que é um tipo de nuca muito comum em nerds de letras. Todos tinham cara de que, se vissem um quarto horrível de pousada barata diriam: “Ai, sei lá, achei muito chique”. Não dava.

Gente, e Freud? Eu estava certa de que Freud me ajudaria a conhecer pessoas com quem eu transaria. Por que cacete os cursos mais legais atraem uma infinidade de tiazolas com calcanhar precisando de lixa e nenhum intelectual grisalho ávido por entender melhor as perversões?

Por que raios as matérias que me interessam sempre me oferecem senhores pigarrentos e com mamilos inchados em vez de mulheres narigudas com saboneteiras salientes? Onde foram parar as pessoas com quem eu transaria? Elas eram tantas e, de repente, o mundo virou aquela turma de parentes e amigos estranhíssimos que, no passado, visitava meus pais e então eu me trancava no quarto.

Seria eu um tipo desses? Seria eu uma forte integrante do grupo de pessoas não transáveis? Socorro-me-leva, Senhor!

Winnicott, meditação, o que a mitologia nos ensina sobre a astrologia, o grafite aplicado na observação de árvores… Fui a todo primeiro dia de aula depilada (sou de outro século) e com a esperança de sentar ao lado de alguém que me desse pequenos arrepios gostosinhos na medula espinhal.

Eu só fiz faculdade e tive empregos nessa vida porque estava procurando pessoas com quem eu transaria. Pagar supermercado e conta de luz, se formos honestos, obviamente vêm em segundo lugar. Respirar, viver, tudo desculpa para conhecer pessoas com quem a gente transaria. E isso não tem nada a ver com transar de fato.

Eu só leio jornal e escrevo esta coluna e escovo os dentes e existo na esperança de conhecer pessoas com quem eu transaria. Que gosto individual não é apenas a superfície socializante de uma infindável vontade de conhecer pessoas com quem a gente transaria?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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