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a língua é um triste molusco
chora um pranto negro e escuro
molusco triste é essa língua
lembra e lambe sua dor fina.

dentro da boca, tal molusco
chora a falta do seu casco,
quer de volta o tempo justo,
voltar pra lenda do passado.

lenda velha, antes da boca
tinha concha e casa, escudo e força.
mas, num mistério da matéria,
perdeu a parte mais terna
se fez só língua e se desintegra

a língua é um triste molusco.
já sem esperança, no escuro,
de reaver seu casco, ter futuro,
resigna-se com o riso de chumbo.

como lhe resta ser mesmo língua,
linguagem, motor – sempre e ainda-
é, na boca, pá e palavra:
fala igual como quem cava.

cava com o corpo um liso assoalho:
chão com carnes gêmeas, molhado,
buscando, na cabeça, o antigo casco,
roupa e casa, escudo e agasalho.

a língua é um triste molusco.
já não sabe se é carne ou um soluço.
sem concha, se re-inventa no escuro.
sem cara, existe feito um espectro,
um susto, movimento, um obgesto.

Thiago E. (Academia Onírica|Teresina|Piauí)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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