Toninho Mendes

No dia 18/1, o editor, poeta e jornalista Toninho Mendes sofreu um acidente em casa, bateu com a cabeça, foi socorrido, mas chegou morto ao hospital. Dois amigos dele, artistas gráficos, dão depoimentos sobre a perda desse incansável e admirável profissional. O de Orlando é uma reprodução do texto no seu blog, o de Zimbres é exclusivo para o Seguinte:. (Fraga)

Toninho Mendes não teria morrido se tivesse trabalho e reconhecimento Orlando Pedroso

Conheci Toninho Mendes bem no finzinho dos anos 70 na redação do jornal Versus que ele editava, diagramava, escrevia e contratava colaboradores. Ficava na rua Capote Valente, em Pinheiros/SP, numa casa que não existe mais. Levei um portifolio amador e mal acabado. Mesmo não rolando nada, foi gentil e simpático.

Mais tarde passei a admirá-lo pela Circo Editorial que editou Chiclete com Banana, Piratas do Tietê e Geraldão.

Pouco mais de três anos atrás nos aproximamos muito e editamos em conjunto o livro E Depois a Maluca Sou Eu, de Mariza Dias Costa. A partir daí, surgiu uma grande amizade. Toninho Mendes morreu ontem.

A sensação de perda é enorme e me traz outros sentimentos perturbadores.

No mundo das start-ups não há lugar para toninhos, para josés, marias ou anas que tenham talento e um passado de dedicação.

Startupers só olham para frente e nesse mundo o passado é coisa que se enterra.

O Brasil continua sendo cruel com seus talentos que passam das luzes à sombra num piscar de olhos e forçam esses toninhos a correr não só atrás de seus sonhos mas atrás de uma sobrevivência improvável.

Toninho Mendes era muito religioso. Da umbanda e candomblé à igreja batista, havia lugar para deus, deuses, santos, orixás, plantas e mandingas aos quais se apegava com fé. Fé, esta, que vinha sendo abalada pela constante dificuldade de conseguir aprovar algum dos vários projetos que não parava de inventar.

Como editor, Toninho estava para os quadrinhos como Jaguar está para o cartum.

E sabe o que isso quer dizer?

Nada.

Toninho se foi e sua história, em breve, vai ser a mesma de tantos que o Brasil fez questão de esquecer.

E assim vão seguir os tantos outros toninhos que ainda insistem em dar murros em ponta de faca.

Toninho estava envolvido num projeto de documentário sobre a ilustradora Mariza e estava ansioso para gravar seu documentário logo.

Perguntei qual era a pressa.

Ele disse: nunca se sabe o que pode acontecer.

E aconteceu.

Montevidéu, janeiro 2017

Orlando Pedroso vive em São Paulo. É ilustrador, cartunista, chargista e fotógrafo. Mantém o Blog do Orlando e todos esses outros aqui.

Escola de Samba e Artes Gráficas Unidos de Casa Verde|Fabio Zimbres

Aquele bigodinho, o jeito de malandro e a voz estragada dele bastavam para eu saber que o Toninho Mendes seria o cara que ia me ensinar tudo que eu precisava saber para vencer nesse mundo atormentado das artes gráficas. Era essa a imagem que eu tinha do outro lado da mesa num bar na Avenida Pompeia numa noite nos anos 80 (ou 90, não me cobrem muita precisão) eu acho que era a primeira vez em que eu conversei com o Toninho. Bom, ele não tinha jeito pra professor e eu nunca fui um aluno muito aplicado então a coisa não aconteceu bem como previsto mas foi divertido assim mesmo.

Me encontrei com ele algumas vezes nessa época, anos 80, começo dos 90; antes, durante e depois de trabalhar com a Animal. Não é exagero dizer que ele foi muito importante para minha carreira. Talvez seja exagero dizer que eu tenho uma ‘carreira’ mas seja lá o que eu fiz nesses últimos 30 anos, ele com certeza foi uma figura importante e o Toninho merece um lugar de respeito nessa história.

Ele já era importante para mim mesmo antes de conhecê-lo porque a Circo Editorial publicou uma coleção indispensável de livros de cartum e quadrinhos brasileiros que eu devorei (tanto os trabalhos dos cartunistas quanto o design e edição porque eram livros muito bem cuidados, onde os autores eram tratados com respeito irreverente e criatividade) antes de começar a devorar as revistas no momento em que a Circo invadiu as bancas com as revistas de Angeli, Luis Gê, Laerte e Glauco.

E antes disso tudo ele era o cara atrás do Versus, outra referência para quem cresceu nos anos 70 absorvendo tudo que fosse possível meter as mãos em termos de revistas, jornais e livros. Eu queria saber fazer o que ele fazia, montar uma página, editar etc. Ele tinha muito orgulho do que fazia e tinha que ter mesmo. Quando conversava comigo ele gostava de chamar a atenção para algum detalhe de diagramação, alguma ideia brilhante, para seu processo criativo e eu gostava de escutar. Prestava atenção. Aprendi com ele através dessas conversas e lendo e estudando o que ele editou.

Acima de tudo que ele podia e sabia fazer, dos projetos que saiam daquela cabeça, ele tinha uma empolgação que era um antídoto para minha timidez. Ele pegava os desenhos que eu levava para publicar no JAM (encarte da Chiclete com Banana) e parecia que ele tinha descoberto um baú cheio de esmeraldas. Ele devia fazer assim com todo mundo que levava desenhos para ele mas, na época, os elogios dele eram motivo de orgulho pessoal. Também não importa se meus desenhos tivessem ou não tratamento especial, o que eu acho mais importante hoje quando eu me lembro disso era a paixão de um editor pelo trabalho que ele publica, genuína e sem disfarce, com aquele bigodinho e voz estragada.

Depois da era de ouro da Circo, mais ou menos o fim das bancas para nós pequenos mortais, ele não desistiu, fez ainda um monte de coisa, algumas eu nunca vi, já que eu larguei a escola pela metade sem me formar e fui fazer outros cursos e não acompanhei tão de perto a produção de humor a partir de meados dos 90. Ele parece que tinha um eterno projeto de revista de humor e quadrinhos na manga, pronto para mostrar a quem quisesse ou não. Essa insistência é a prova da esperança que não morria nele mesmo que o corpo já estivesse meio surrado. Ele foi embora com vários projetos na gaveta e na cachola que nunca vamos conhecer. É uma pena. Não apenas pelas ideias que não vamos poder ver realizadas mas principalmente pela esperança dele que se vai. Justo agora.

Fabio Zimbres é desenhista, designer, editor e artista plástico, vive e atua em Porto Alegre. Para acompanhar suas criações, acesse seu site aqui.

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Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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