Rui Werneck de Capistrano

“Meus segundo e terceiro livros haviam representado uma perda de dinheiro e o quarto, Stamboul Train (Expresso do Oriente), ainda estava apenas datilografado e uma biografia do poeta Conde Rochester fora recusada; restava cerca de vinte libras no banco e nosso primeiro filho ia nascer”.

Graham Greene. O nome sempre esteve presente, de alguma maneira, desde que comecei a ler ficção. Porém, só o nome. Alguns escritores não entram na nossa vida, mesmo que esbarremos em seus livros  em cada estante. Pra mim, Greene é assim. Agora, depois de tantas e tantas histórias, dou de cara com esse que foi um homem de muitas caras — escritor, viciado em drogas e álcool e, além disso, católico preocupado com pecados, culpas, expiação, remorso e santidade. Segundo Kenneth Tynan, Greene acreditava que o pecado traz dentro de si as sementes da virtude — algo como se em montes de esterco nascessem margaridas. Não me lembro se foi essa religiosidade que me afastou dos livros dele. Ele se converteu ao catolicismo aos 22 anos. Acho que é uma idade em que as escolhas não têm mais volta. Eu, que fui batizado na Igreja Católica, aos 22 anos já não nutria mais nenhuma simpatia por padres, bispos, papas, missas, pecados, culpa, inferno ou paraíso. Greene, nessa idade, também começou a escrever O homem interior — primeiro romance a ser aceito por uma editora. Dois outros já haviam sido recusados e, se o terceiro falhasse, ele iria desistir da estúpida ambição de ser escritor. Com 22 anos, eu, tal como Greene, estagiava numa agência de propaganda. Sabia que era aquilo que eu queria fazer, mas não sabia se daria pra sobreviver. Nesse tempo, ganhei meu primeiro prêmio com um conto chamado A torneira — do qual não tenho cópia e nem sei onde encontrar. Talvez nos arquivos dos jornais da época, pois ele foi publicado num deles.

Quanto a O homem interior, Greene disse que “teve um sucesso temporário que um primeiro romance às vezes alcança”. Hemingway, recém-chegado a Paris, disse a Gertrude Stein que havia gostado dos dois primeiros livros publicados do Greene. O autor, porém, lá pelos anos 80, disse que se fosse leitor de livros de uma editora, teria rejeitado sumariamente O homem interior por sua fragilidade. Pela generosidade com que outros escritores o acolheram, no entanto, Greene diz que “escrever romances é como colocar mensagens numa garrafa e jogá-la no mar — ela pode ser aberta por amigos ou inimigos inesperados”.

A trajetória de vida de Greene se estende por dezenas de livros — romances, peças de teatro, ensaios, críticas, autobiografia. Quanto aos primeiros romances, ele desautorizou qualquer republicação. Tornaram-se caras raridades em sebos. Ele os considerava abaixo de qualquer crítica.

Greene, como tantos outros escritores, saiu mutilado na guerra contra o cinema. Ele deplorou cada adaptação dos livros e o modo como foi tratado por diretores, produtores e chefões.

Para terminar esse brevíssimo esboço entro na questão da linguagem — que muito me interessa. Greene disse que — anos mais tarde — ainda tinha arrepios pela linguagem excessivamente pomposa dos primeiros livros — talvez pela grudenta leitura de poetas metafísicos. Exemplos: “Um revólver pendeu até a calçada como uma flor flanada”, “O som das vozes distantes salpicou-o como as sementes de uma papoula, trazendo repouso”, “Um relógio despejou sua carga de horas”. Nos livros posteriores, ele adotou a tesoura gramatical e cortava advérbios, adjetivos, verbos e até substantivos que não tivessem estrita função na frase e na história. Hoje, depois de tanto tempo, ainda temos autores bombásticos e pomposos, que parecem viver no tempo do Império.

Antes de fechar definitivamente esse texto, convido você a ler uma descrição do autor feita por um expert em minibiografias — Kenneth Tynan:

“Greene parece ter uma história de sucesso pessoal, mas, ao encontrá-lo, tem-se a impressão de que foi um fracasso. Ele tem a aparência de um pedante retraído e se senta encurvado, com as mãos e as pernas cruzadas, espiando o fluxo das circunstâncias com olhos brilhantes, úmidos e desesperançados. Em seu rosto rosado vemos veias e bolsas; de quando em quando, ele se ergue para emitir alguma réplica com voz petulante e gasta que ainda tem dificuldades com seus erres”. Nessa época, Greene tinha apenas 48 anos. Ecce homo, Graham Greene! Mais dele? Vá atrás. E depois me conte.

Rui Werneck de Capistrano ainda espera pela editora dos seus sonhos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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