Veja-se!

“Furacão” que revelou Caetano e Gil é contado sem tom professoral. Produção bem-sucedida consumiu cinco anos de pesquisas. Muito se falou e escreveu sobre o Tropicalismo, movimento que mudou profundamente não só a música como a cultura brasileira no final dos anos 1960, revelando os nomes de alguns de seus, até hoje, maiores ídolos – caso de Caetano Veloso e Gilberto Gil – mas sendo interrompido pelo confronto com a ditadura militar.

Quase cinco décadas depois do auge deste furacão, entre 1967 e 1969, o documentário “Tropicália”, de Marcelo Machado, reavalia suas manifestações, encontrando material para repensá-lo e ao seu contexto, indo ao encontro de seus principais participantes e também suas raízes e precursores.

O filme, que abriu o Festival É Tudo Verdade em março de 2012, consumiu cinco anos de pesquisa e foi bem-sucedido em vários aspectos. Um deles, fugir ao tom professoral sem deixar de ser informativo, tornando possível a novas gerações ter uma visão clara de um período que não viveram. Para quem o viveu, é como rever a trilha sonora e emocional da própria vida, pois não falta emoção em vários pontos do relato.

O longo tempo dedicado à produção permitiu façanhas como localizar, nos vastos e imprevisíveis arquivos do mundo, imagens inéditas de figuras tão midiatizadas quanto Caetano Veloso e Gilberto Gil, cujo registro era até agora desconhecido dos próprios personagens.

Um exemplo foi a participação dos dois artistas no Festival da Ilha de Wight, na Inglaterra, em 1970, em que um Caetano já no exílio, após meses de prisão, canta a canção “Shoot me dead”, acompanhado pelo escritor Antonio Bivar no pandeiro.

O maior acerto no conceito do filme, que tem roteiro do próprio diretor e de Di Moretti, é justamente a inserção do Tropicalismo em seu contexto. Traça, assim, seu parentesco com outras manifestações da mesma época, como o Cinema Novo, que produzia um diretor com a contundência de um Glauber Rocha e filmes como “Terra em transe”, além da iconoclastia do diretor teatral José Celso Martinez Corrêa em montagens transgressoras como a de “O rei da vela”, de Oswald de Andrade, e também o trabalho do artista plástico Hélio Oiticica – a quem se deve o nome “Tropicália”, título de uma instalação vista no Museu de Arte Moderna carioca e que batizou a canção de Caetano Veloso em torno da qual se construiu o disco “Tropicália ou panis et circensis”, espécie de manifesto musical de sua época.

O documentário também demole equívocos, como uma suposta rixa dos tropicalistas contra o Roberto Carlos na época da Jovem Guarda. Na verdade, o que fica evidente é a centrífuga verdadeiramente antropofágica, para citar o termo cunhado com tanta felicidade por Oswald de Andrade, a que recorreram os tropicalistas, mesclando entre suas influências os sons dos pífaros nordestinos e as guitarras elétricas dos Beatles.

“Tropicália” também acerta na preocupação com um visual criativo em suas vinhetas e passagens, intercalando suas imagens preciosas, construindo novos sentidos em torno de um tema sobre o qual parece haver ainda tanto a dizer. Assistir aos comentários de seus participantes revendo o passado contribui para delinear com mais nitidez um retrato de época que é artístico, político, mas também afetivo. O Tropicalismo cala fundo em tudo o que somos hoje.

Reuters

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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