Vertigem, salto no escuro. O mundo vira literalmente de cabeça para baixo. Sensação de voo, mas queda livre. Nada segura, nada sustenta, nem a respiração lenta que pausa o movimento.

Sem estabilidade, firmeza, chão. Neste momento as palavras caem como estrelas, cobrem o corpo inundado de incertezas. A falta de equilíbrio inverte a paisagem horizontal, formal, linear. Encontro um novo caminho.
Deito, fecho os olhos e lembro que quando isso acontece as cores mudam, as dimensões aumentam, os sentidos chegam mais longe, o livro que estava em cima da mesa cai, como uma folha da árvore.

Cada objeto distrai da sua função, as coisas mudam de lugar e dançam no escuro. O medo vem em forma de vento forte, daqueles que só se veem em dias de tempestade. Mudanças, presságios, sonhos em que se sente a respiração e a textura da pele.
Em um tempo que não sei calcular – acredito que seja instantâneo, embora pareça uma eternidade – um labirinto de vozes, coisas, nomes, palavras ressoa em meus ouvidos. Como zumbido de insetos quando invadem uma plantação.

Permaneço inerte nesse estado próximo à vigília, percorro os caminhos que possam chegar aos lugares mais distantes, abro as janelas, deixo o vento entrar pela porta, escrevo mais um capítulo nas silenciosas manhãs tingidas de branco – quando abre, quase sem querer, a página do livro de Mário Quintana onde está escrito: “sonhar é acordar-se para dentro”.

Revista Ideias|176

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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