Viagem ao Arraial de Jeca Tatu

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Casa do Jeca Tatu utilizada em vários filmes de Mazzaropi – Foto de Célio Heitor Guimarães

Ele nasceu Jeca Tatuzinho, da genialidade de Monteiro Lobato, um paulista de Taubaté, que viria a ser pai também de Narizinho, Pedrinho, Emília, dona Benta, tia Anastácia, Visconde de Sabugosa, Marques do Rabicó e de toda a turma animada do Sítio do Pica-pau Amarelo.

Sonhador, polêmico, idealista, teimoso e contraditório, José Bento Monteiro Lobato foi e continua sendo um dos maiores nomes da literatura nacional, embora pouco conhecido pelas novas gerações de leitores. Jeca foi criado em 1914, como retrato do fatalismo e da modorra do caipira brasileiro.

“Nada paga a pena. Nem culturas, nem comodidades. De qualquer jeito se vive” – escreveu Lobato, falando pela boca do personagem, algoz de si mesmo, vítima de uma preguiça atávica.

Mas o autor mudaria de ideia, convencido de que o atraso do capiau era, antes, apenas fruto do subdesenvolvimento nacional que, ontem como hoje, gera a fome, a ignorância, a doença e a miséria.

E Monteiro Lobato pediu perdão a Jeca Tatu:

– Está provado que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte. E não tens culpa disso.

Em 1924, o personagem foi recriado, com ilustrações de Kurt Wiese, tornando-se, então, símbolo de uma campanha sanitarista junto às crianças.

 Curado da ancilostomose, Jeca torna-se apóstolo da higiene e do progresso, sob os auspícios do Biotônico Fontoura, invertendo a trajetória anterior, que atribuía à preguiça e à indolência a baixa produtividade do homem da roça.

Caberia, no entanto, a outro paulista, este da capital, dar forma física e vida a Jeca Tatu: Amácio Mazzaropi. Egresso do circo, com passagens pelo rádio e pela tevê, Mazzaropi viria a ser um dos mais consagrados cineastas brasileiros, campeão absoluto de popularidade e de bilheteria.

Mazzaropi levou o matuto Jeca para o cinema e transformou-o de pobre coitado, indolente e conformado, a quem todos pensavam enganar, em um herói astuto, manhoso, matreiro e até valente.

– Ele materializou um estereótipo que veio ocupar um espaço carente no cinema brasileiro e no inconsciente popular – concluiu o professor e pesquisador Nuno César Abreu.

Mazzaropi fez mais do que isso. Adquiriu uma área de 200 mil metros quadrados, com muito verde, nos arredores de Taubaté e construiu ali não apenas os seus estúdios, mas o pequeno mundo de Jeca Tatu.

Ali, Mazza realizou quinze de seus 32 filmes. Com a morte do produtor/diretor/ator/distribuidor, a fazenda foi transformada em hotel de lazer, modernizou-se, ganhou a infraestrutura necessária, mas fez questão de preservar a casinha do Jeca, caiada de branco, com portas e janelas azuis, o seu mobiliário típico, o quintal e o pequeno lago que o cerca.

Os estúdios, restaurados, viraram centro de convenções e um pequeno museu, com mais de seis mil peças, onde Jeca Tatu ganha destaque especial. Lá estão os figurinos e os objetos cenográficos, grande acervo fotográfico e cartazes dos principais filmes de Mazzaropi, além de equipamentos de filmagem. Também estão lá as botinas, o chapéu de palha, a camisa xadrez do personagem e a espingarda de cano curvo, utilizada no filme “Jeca e seu Filho Preto”, de 1978.

Com entrada franca, o museu funciona todos os dias, das 8h30 às 12h30. As visitas, no entanto, precisam ser agendadas antecipadamente.

 Nos salões da administração, há uma imagem oca de São José, no interior da qual Mazza guardava os scripts de seus filmes antes de iniciar as filmagens. Nas proximidades fica a Fazenda Santa, também cenário de suas produções.

Foi o primeiro estúdio da PAM Filmes, companhia independente de Mazzaropi, e ainda conserva os antigos estúdios, o refeitório dos atores e técnicos e a casa onde o ator costumava se hospedar.

Também mantém o lago construído exclusivamente para a filmagem de “Meu Japão Brasileiro”. E a “Casa das Virgens”, onde Mazza abrigava as moças solteiras. Ele não admitia namoros durante as filmagem e fazia questão de separar homens e mulheres no alojamento.

Outra visita obrigatória é ao Sítio do Pica-Pau Amarelo, no centro da cidade de Taubaté. Na verdade, é o local onde antigamente se situava a chácara do avô de Monteiro Lobato e onde o escritor passou a infância e encontrou inspiração para as suas histórias infantis.

Lá estão Narizinho, Emília, dona Benta, tia Anastácia e os demais personagens para recepcionar os visitantes e oferecer-lhes uma apresentação teatral. Lá está, também, a biblioteca de Lobato, as primeiras edições de seus livros e alguns móveis e objetos que pertenceram à família dele.

Não há dificuldade para chegar ao arraial do Jeca. De São Paulo, capital, são 128 quilômetros, pela Rodovia Dutra ou pelo complexo Ayrton Senna/Carvalho Pinto/Dutra. O acesso é pela saída 128, nas proximidades de Taubaté. Depois é só seguir as placas indicativas. Arraial, hotel e museu ficam na Estrada dos Remédios, 2.380, no bairro do Itaim.

Célio Heitor Guimarães

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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