Visita ao rinoceronte

Bolsonaro nunca aproveitou seu circo matinal no Alvorada para dar uma declaração de estadista

Com a viagem de Bolsonaro ao Japão, China e adjacências, Brasília está privada de sua maior atração turística: a saída do presidente do Palácio da Alvorada, todas as manhãs, e os minutos que ele concede aos cerca de cem sujeitos que chegam de ônibus, vindos das mais remotas grotas, e se postam ali desde a madrugada à sua espera. Por volta das 10h, surge Bolsonaro e não os decepciona. Posa para selfies e, para gáudio geral, distribui agressões, afrontas e imprecações contra os inimigos e até contra os amigos. Como tudo é gravado por eles, não pode haver desmentidos.

Mas não há o que desmentir. Bolsonaro usa esse canal para mandar recados. Só não se sabe quem ele atacará, difamará ou fulminará naquele dia –um alvo importante é seu ministro de estimação, Sergio Moro, em cuja face ele aplica frequentes bofetadas verbais, para mantê-lo em seu lugar. O próprio Bolsonaro, em seu português de quinta, foi quem melhor se definiu nessa pantomima: “É o zoológico. Quando você vai no zoológico, você vai sempre na jaula do rinoceronte. Eu sou o rinoceronte da política”. Mas logo se corrigiu: “O chifre é no nariz, hein, não é na testa, não!”. A plateia teve frouxos de riso.

Bolsonaro nunca aproveitou esse circo matinal para fazer uma declaração digna de um estadista. Nunca disse uma palavra de estímulo sobre o trabalho de recuperação do Museu Nacional. Nunca demonstrou comoção pelos mortos de Brumadinho ou do Ninho do Urubu. Nunca lamentou a perda de símbolos nacionais, como Bibi Ferreira ou João Gilberto. O país não existe.

Reduziu a presidência à função de um vereador. Para ganhar a eleição, precisou do povo, mas, como governante, seu único mérito é o de estar unindo contra si todas as forças conscientes do país.  Em breve, só lhe restarão os filhos e os cem robotizados que o prestigiam no papel de, segundo ele próprio, rinoceronte do zoológico.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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