Votar sem saber direito

Democracia é assim mesmo. Você vota e só depois vai saber o que fez

Os britânicos estão às voltas com as complicações decorrentes da sua dramática decisão de sair da União Europeia, decretada por um referendo em junho de 2016. É o famoso brexit, que está diariamente no noticiário e que, nós, que não somos ingleses nem europeus, tentamos acompanhar sem entender direito. O imbróglio envolve a primeira-ministra Theresa May, o Parlamento, os outros países e, agora, o próprio povo britânico, que parece se dar conta de ter feito besteira ao votar pela saída.

Por coincidência, eu estava em Londres por aqueles dias e no próprio dia do referendo. O qual me interessava muito pouco, diante da temporada de revivals de musicais clássicos americanos rolando nos teatros, como o de “Show Boat”, “Guys and Dolls” e outros. O problema é que, ao entrar e sair de cada teatro, eu me defrontava com os cartazes cobrindo as paredes da cidade, mostrando a severa figura de sir Winston Churchill dizendo sua frase, pronunciada, imagino, na Segunda Guerra: “Brits don’t quit” —um jogo de palavras significando, ao mesmo tempo, que os britânicos não desistem nunca, nem fogem da raia.

O cartaz insinuava que, se Churchill (1874-1965) estivesse vivo e fosse, de novo, primeiro-ministro britânico, o Reino Unido não sairia da União Europeia. Fã de Churchill, isso me fez decidir logo para que lado torcer no referendo. Veio o dito e acompanhei nas ruas os resultados. Os britânicos desmentiram Churchill: 51,9% votaram por sair; 48,1%, por continuar.

Hoje, com as grandes empresas europeias deixando Londres e com a perspectiva de um futuro sombrio para os ingleses em matéria de indústria, comércio, finanças, imigração e turismo —tudo por causa do brexit—, vê-se que eles votaram obedecendo a um impulso, sem saber direito no que estavam votando.

Democracia é assim mesmo. Você vota e só depois vai saber o que fez. Mas, aí, já era.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Ruy Castro - Folha de São Paulo e marcada com a tag , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.