O livro eterno

Comemoramos, na semana, gentil leitor, o Dia do Livro. Com direito a carreatas, passeatas e o testemunho em TV de algumas figuras carimbadas da city. Não estou insinuando que o livro não mereça até mesmo carro alegórico, quanto mais eventos que lhe festejem o dia. Tudo soma ao que o livro necessita, e com urgência: difusão, investimentos oficiais, empenho de professores nas salas de aula.

É que ler vai ficando cada vez mais raro. E cada vez mais caro! Aliás, bem a propósito, o meu amigo Luiz Zanin Oricchio, o impávido colosso editor do suplemento Cultura, do Estadão, me encomendou uma ampla reflexão sobre o último título de Alberto Manguel publicado no Brasil, A cidade das palavras. O conhecido autor argentino-canadense realiza ali nada mais, nada menos, do que um sacudido hino de amor ao livro e à sua eternidade.

Das primeiras tabuletas de argila onde, em caracteres cuneiformes, foi para sempre inscrita a fábula babilônica do rei Gilgamesh, ao mega-computador Hall, de 2001, Uma Odisséia no Espaço, a anunciar o futuro, presente hoje nos e-books e na internet, o livro só fez até aqui reafirmar sua perenidade. Talvez o mais mítico objeto já criado pelo homem, seja no papiro ou na tipografia. Mais que a roda e a pólvora! Por ser, sobretudo, o único e indestrutível guardião do imaginário humano. Nada neste mundo conseguiu e possivelmente nada conseguirá substituir a “função”, digamos, do livro. A tarefa quase misteriosa de seu destino – a de cifrar sabor e saberes; e de aprisionar nas páginas, feito imprevista armadilha, as histórias que o homem conta. E que, sem contá-las, pereceria.

Um quadro subsiste sem moldura, o teatro dispensa o palco, a música acontece mesmo quando soprada pelo vento, mas não haveria jamais onde guardar a fábula, a não ser na perecível memória humana e, mesmo esta, ao retransmiti-la, contaria nova fábula, nunca a original. O livro, não! Guarda a sílaba e a vírgula; o parágrafo e a reticência – inalteráveis.

E quando falo de livro, falo de “transmissão” escrita. Não importa o meio, a mídia, se as tabuletas mesopotâmicas ou as inscrições no papiro, se os caracteres góticos na oficina de Gutemberg ou os arremedos de jornais d’antanho. Tudo é o livro e a sua permanência de livro. O livro-livro, o livro-lauda, o livro-tiro, o livro-lume, o livro-sombra, o livro-ludo, o livro-tudo, o livro-nada.

Isso aí só para reverenciar um dos marcos da modernidade brasileira – o antológico Galáxias, de Haroldo de Campos, e ainda Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e Catatau, de Paulo Leminski, livros que na história recente do Brasil souberam honrar o livro que vestem.

 02|11|2008|O Estado do Paraná

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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