Amor Eterno

 

Corais

Cracas incrustadas, rochas vivas, multicor, quasar, gume e faca, navalha, extensões deles, corais – pedra do mar que às conchas embala. Pétalas ígneas, incêndio azul; ao longo das franjas, o areal contínuo. Os pés feridos, as nadadeiras mordidas de vento e sal, vos procuro, por estes meandros vos procuro, justo ali onde te arrastas – sereia, lady Godiva, elefanta-marinha. Ao quente mar de dezembro, guelra contra guelra, ao coral profuso e todo ardente, nele nos esfregamos. Baixo um silêncio de cristal, concha e ostra, ambos os dois, os sexos em carne viva.

Lagartixas

Os olhos arregalados reverberam em mim a tua face – branca, albina, esquálida polaca. Andas paredes e curvas, suspensões e cimos, tetos e o organdi rosa da cortina da sala. Falácias? Jacaroa, lagarto, lagarta – mutilo em ti a sôfrega cauda, impaciente; me emprestas os dedos lavados das mãos. Recresce em ti o rabo e a sina; quedo-me ao presto ludo de dois braços para sempre sem mãos. Mordo-te o transparente umbigo pálido e já sou um só ao liso suplício de tua ilharga. Gozamos – aos trancos, aos barrancos, aos pedaços.

Caramujos

Que de sons ecoa o tímpano do caracol? Enrodilhado em sua louça multicor acaso o ausente sexo freme? Um que de porcelana fosse dificilmente sobreviveria em sua fragilidade exaltada, e complexíssima. Andam na noite, inenarráveis dromedários ou uma absurda espécie de formiga – levando às costas sua montanha de osso e marfim. Onanistas, narcisos, centrados em sua têmpera, os caramujos, às frescas manhãs de areia e espuma, da longa praia deserta, são uma aleluia viva, e numerosa. Prescindir da rubra curva de vossa nádega e ainda assim, encaracolado aos vossos crespos e pentelhos, imaginar com os ruflos de um colibri-de-asas, ramblas, ramonas, ai que te incenso a coxa grávida com meu filete d’água cinza-pálida.

Chuvas

Bicho líquido de fiel transparência, as chuvas chovem no zinco de nosso teto humilde com a graça quase invisível de ariscas lagartas, e mínimas, muitas, coleantes, uma que vez cândidas. Quis no verão sua morada, e o ímpeto com que serpenteia da nuvem ao telhado e dali às caleiras da casa, ninho suspenso entre o arrozal e as águas.Há, contudo, diversas espécies de chuva – de chuviscagens a chuvões, veros maremotos, bebendo a Terra, rios e lagos, riachos e cascatas. Se me sugas feito um vício eu sou a chuva que teu chão lambe com uma volúpia de amantes entranhados – um no outro encharcados até a última gota e a derradeira raiz mais chã. Lavas-me o rosto a esguichos; brinco de intempérie sobre o vosso ventre. Líquidos e miasmas, cobrem meu corpo vossas mágoas. Águas? Cantam as calhas nosso lamento, longe, enxurrada em lá maior, aguaceiro, coral de anilhas. )

O Estado do Paraná/28/01/2007

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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