Zé da Silva

Viu a cabeleira armada da madame. De longe. Achou que parecia algodão doce, só que preto. Foi chegando perto. O perfume emanado o inebriou. De algodão a coisa ficou virou nuvem. Foi ali que entrou – e se perdeu. Nas memórias misturadas. Porque ele um dia também foi cabeludo. Estava no barco que atracou em Alcântara, Maranhão, e, alucinado pelo lugar, pulou para um terreno que não era terra firme. Se enterrou até a cintura na lama. Mais preta do que o cabelo da madame.

Uma força-tarefa o tirou dali. Mas não havia água naquele lugar onde as ruínas de um passado de glória iluminaram a imaginação. A lama secou – e isso contrastava com o cabelo que descia um palmo abaixo do meio das costas. Loiro. Olhos verdes acastanhados. Ele ria. Dormiu num casarão abandonado. Sleeping bag. Muito longe da base de lançamento de foguetes. Viajou nas estrelas. Não precisava fumar um. No dia seguinte jogou bola com os meninos do lugar. Estava Pelé. Fazia tudo que vinha de não sabe onde – logo ele, um perna-de-pau total. Foi a lama?

Foi a nuvem no cabeça da madame que ele iria conhecer muitos e muitos anos depois? O campinho ficava em frente ao que foi uma maravilhosa igreja. Teve uma hora que, ao matar a bola no peito ,viu o brilho de um sino que não existia e um olhar ao lado dele. Lá em cima. O som veio. Ele voltou. A madame ainda estava lá e o sorriso dela tinha mil e duzentos dentes.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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