Não vemos mais, desde as altas fortificações da ilha de Sagres, os navios que antes singravam ao longe o eterno mar – azul feito a morte dos pássaros azuis cantada pelo velho aedo de Alexandria.
Ilha de grandes e lisas pedras incrustadas ao rochedo que alto se ergue e, detalhe essencial, florescido de musgos, numa profusão de cores, desassombrada. Do roxo ao vermelho-maravilha, passando pelo magenta e o lilás, os musgos ondulam, quase vivos, mexem-se e ondulam, agarrados ao solitário rochedo de Sagres.
A poucos é dado enxergar a ondulação dos musgos assim como igualmente a muito poucos é dado, desde a ilha de Sagres, ver os navios que não singram mais, ao longe, e o eterno mar que azul se repete, mesma a morte dos pássaros cantada pelo velho aedo de Alexandria.
E é justamente neste empenho em repetir-se – seja na ausência dos navios ou no movimento dos musgos, que se inventa, a cada dia, a cotidiana rotina da ilha de Sagres. Um milagre que ondulem os musgos e outro o de que continuem a singrar no horizonte os navios ora entrevistos desde a ilha de Sagres.
Em Sagres só enxergam os que mais vêem. Por isso mesmo exercitam o olhar com empenho digno apenas das águias, dos linces e dos tubarões, a crer nos zo-ofilistas que chegaram a visitar a ilha, ainda antes de El-Rey Dan Sebastião. Um curioso aprendizado do ver que torna, mesmo as coisas mais abstratas, em agudos objetos que se atiram à crosta da realidade com um ímpeto de flecha ou punhal. Ou nem que uma agulhada de amor atravessada no coração.
Ninguém chorou mais a ilha de Sagres do que os cegos ou os de fracos olhos que se recusavam a ver, por pura teimosia e irremovível desejo de não ver, sob nenhuma forma em que o ver consente e autoriza. Não que não existissem navios a singrar o mar de Sagres ou a bailarina ondulação dos musgos a andar rochedo e promontório. Fingir ali era indiscutível que fingiam; dúbio representava enxergá-los de tal forma que passassem a existir.
Ver era o desafio, e descobri-los, os musgos, nos interstícios das rochas, ou os sonolentos navios, ao largo do mar de Sagres, a cortar a água absoluta, também constituía a memória da ilha inscrita no arquipélago, terrível como lembrar o que já morreu.
Dadivosa, entanto, a lembrança que faz reaparecer os mortos, os navios e os musgos, no luciferino empreendimento que é, de Sagres, a sua maior ira de existir, pura ilha brotada do Oceano feito o cume de uma montanha submersa.
E não serão assim todas as ilhas? Duras flores de pedra nascidas das águas e, ao modo de Sagres, por exemplo, construída pela ondulação dos musgos e a visão de que por seus mares singrem os navios, que, nunca existindo, passaram a existir um dia, galés e velames, todas as naus de
El Rey Dan Sebastião.Wilson Bueno [25/11/2007]O Estado do Paraná.