O leilão da Caixa Econômica estava para começar e, como adora um pastiche, ficara na platéia para ver se alguém compraria a aliança. É no que seu casamento havia terminado: uma zombaria; uma empulhação. Até torta na cara tinha rolado. Botara a aliança no prego por puro ódio, deixara o prazo do resgate vencer, agora ela estava à venda. Lembrou-se de quando o marido a colocou na sua mão esquerda: Nossa aliança é eterna. Agora, sentada naquela sala, veria ela mudar de dedo para ser fundida e virar um brinco, um pingente. Brinco? Pingente? Não. Pouco teatral. Pouco dramático. Melhor uma cruz. A aliança teria destino mais escalafobético se fosse derretida e virasse uma alegoria do sofrimento supremo. Ofereceu o dobro do lance e levou o anelzinho. Quer dizer, a futura cruz. Não queria jamais se esquecer do seu calvário nesta vida desgraçada. Em lágrimas, escolheu quem iria interpretar na sua ópera buffa particular. Não a Virgem. Não Maria Madalena. Será Jesus Cristo, o próprio.

E anjos do Paraíso cantarão os hinos mais maviosos quando, a caminho do Santo Sepulcro, percorrer as nove estações da crucificação estampadas na Via Dolorosa.

Almir Feijó.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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