Foto de Raquel Santana.

“Se queres insista/de gorro azul o alpinista/vence a fenda e a escarpa/ da irrepetível montanha/tem o céu por sua cama.” Este tanka aí, um gênero de poesia japonesa cultivado por poucos no Brasil e que eu aprendi a escrever com Helena Kolody, pertence ao meu livro Pequeno Tratado de Brinquedos, já em 3.ª edição pela Iluminuras, de São Paulo. Talvez alcance significar um pouco do que foi o amigo, de quase trinta anos, o mestre de vida e pincel, Claudio Seto.

Não fui ao velório, não fui ao enterro. Guardo de Seto, aqui, o quase-sorriso com que sorria naquela aparente ausência que era dele a maior marca. Sóbrio, discreto, raras vezes vi Seto dar uma gargalhada. Singelo em sua simpleza, em minhas erupções vulcânicas de antigamente, muita vez ele me salvou de mim mesmo. Recuperava a calma só em vê-lo desenhar. O seu silêncio de folha-de-papel-de-arroz me devolvia o meu perdido silêncio.

Era, antes de tudo, um bom-caráter. Dessa natureza de bom-caratismo que, não sei se me faço entender, é única, insubstituível. Claudio Seto era um caráter olímpico, exemplar. Construía os dias em seu canto, sem atropelar ninguém, feito o haicai de Kobaiashi Issa, que tanto amava: “Ao Fuji sobes/pequeno caracol/- mas sobes”.

Aliás, ser amigo de Seto era, antes de tudo, trabalhar com o Seto. E por esta vida afora partilhamos de um tudo – das HQs eróticas, de quinta categoria, da pioneira Grafipar, seu primeiro emprego em Curitiba, de onde difundiu o mangá, já exercitado em sua São Paulo de origem, a páginas inteiras na revolucionária experiência jornalística que Mussa José Assis implantou no Correio de Notícias. Imagine o leitor: toda a capa de um caderno de cultura com apenas seis haicais e o pincel zen de
Chuji Seto Takeguma!

É só ir à Biblioteca Pública e conferir, gentil leitor, as audácias que cometemos juntos, e também com Paulo Leminski, Rogério Dias e Dante Mendonça, naquele que, para mim, foi o mais luminoso momento da imprensa diária paranaense. Um jornalismo que, penso, não haverá mais – um jornalismo comprometido com a arte do design e da notícia. Quase escondido atrás da prancheta, Claudio Seto incendiava. Páginas suntuosas, luas de contos de fadas, desconcertantes rendados em retículas surpreendentes, duendes, deuses, ideogramas.

E a par de sua infatigável atividade como cartunista, desenhista, ilustrador, foi ainda ativa liderança da comunidade nipo-brasileira em Curitiba. Não quero chorar a morte de Seto, ainda que eu saiba que ele fará muita falta. Digo apenas com novo tanka que “pusemos os mortos/nas mais distantes colinas/bem longe de casa/só pra daqui ver o quanto/ cantam dançam no horizonte”.

Wilson Bueno (23/11/2008) O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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