Nessa nossa sociedade oportunista e aproveitadora, onde nada se perde e tudo se apropria, até os seres lendários e imaginários podem ser explorados (já os faturam, na literatura e no cinema juvenil). Teríamos a mitologia a serviço da iniciativa privada, onde renderia ganhos fabulosos às custas dos dons animalescos e potenciais monstruosos.

Unicórnios Cavalos com uma pontiaguda calcificação na testa. Depois de fracassar em carrosséis, por causar acidentes mortais durante o rodopio das máquinas, seriam adestrados para páreos sensacionais em hipódromos. O problema é que, no photochart, venceriam sempre. Equinos e donos de haras protestariam.

Pégaso Cavalo alado. Seria muito útil em serviço de transporte na zona rural, um helicóptero de quatro patas. Os passageiros, um de cada vez, viajariam na garupa. Infelizmente logo a americana Mobil Oil processaria qualquer um por uso indevido da sua marca registrada.

Centauros Cavalo com tórax de homem. Resolveria a polêmica do uso de carroças nas cidades, pois uniria dono e animal de tração num só. Na provas de equitação e nas corridas, dispensariam os jóqueis. No exército, comporiam garbosos pelotões de cavalaria, que não mais largariam bosta durante desfiles. Como manequins, iriam para as passarelas exibir selas e arreios.

Sereias Metade mulher, metade peixe, nem sempre as metades ideais. Dariam eficientes limpadoras de pescado nas peixarias, embora o sentimentalismo pudesse atrapalhar na tarefa. Também seriam ótimas faxineiras em grandes aquários. Por seus talentos líricos, poderiam atuar na ópera mas a plateia masculina precisaria ser amarrada às colunas do teatro para não invadir o palco.

Dragões Clonagem de vários animais, com cabeça dum, corpo de outro, patas deste, asas daquele, rabo de sei lá qual. Além de atração em zoos, poderiam fazer carreira em Hollywood, substituindo os efeitos digitais. Por seu hálito de fogo, atrairiam a publicidade, convincentes garotos-propaganda de produtos para azia.

Cérbero Cão mastim de três cabeças perto do qual um cachorro hidrófobo chega a parecer inofensivo. Por suas ótimas referências na porta do Inferno, seria utilizado em canis para cruzar com fêmeas de pit bulls e rottweillers e assim se atenderia à parcela mais raivosa do mercado de animais de estimação.

Esfinge Mulher com corpo de leoa e cabeça de executiva neoliberal. Por sua extrema habilidade em manipular humanos, os departamentos de RH a contratariam especialmente para comandar as odiosas áreas de telemarketing e os impopulares serviços de atendimento ao consumidor. O que combinaria com a situação enigmática desses setores: para que servem, afinal?


Hidra Dragão
com sete ou mais cabeças de serpentes, com capacidade regenerativa em caso de decapitação. Conviria especialmente ao Instituto Butantã, que criaria um serviço ambulante de produção e distribuição de soros contra picadas de cobra. Seria o único caso de benefícios desinteressados.

Fênix Ave
semelhante a uma águia que entrava em combustão espontânea e ressurgia das cinzas. Com uma única matriz seria possível montar um aviário de grande retorno financeiro. Bastaria um incêndio criminoso vez por outra que, além da indenização por lucros cessantes, o proprietário obteria novas aves do rescaldo assim que os bombeiros virassem as costas. E, pela plumagem brilhante e dourada, também renderiam uma grana na época do carnaval.

Etc.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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