Foi lá pelos anos 70 e arredores. O Karam ia lançar um livro na Livrarias Curitiba, ali na Praça Santos Andrade. Isso seria um acontecimento importante. O Karam era muito conhecido, amigo de muitas pessoas, bom escritor, etc. O lançamento aconteceria pela manhã e lá fui eu. Fui certo de ser mais um na multidão. Previ boas conversas, compra do livro e, depois, uma chegada, com a turma, em algum boteco.
Entrei e só vi o Karam sentado e uma pilha de livros em cima da mesa. Saudações, compra do livro, dedicatória… e sentei. Os livros das estantes nos olhavam com inveja. Eram meros espectadores de um lançamento de alto gabarito em Curitiba – a cidade sorriso. O tempo passava e nada de o pessoal chegar. Estranhei, mas podia acontecer uma chegada em bando, programada, comandada, orquestrada. Nada. De repente, chega o Jamil Snege. Sempre meio sem jeito pra encontros sociais, ele chegou, cumprimentou, comprou o livro e… sentou.
Não havia impaciência por parte do Karam, se não me engano. E o papo entre nós três não se desenvolvia a contento. Três caras de jeitões diferentes, que nunca haviam sentado juntos em lugar algum deste mundo. Com o Karam eu tinha mais papo. Mas também não era algo de empolgar. O Jamil era sempre reservado e parecia partir mais pro discurso, em vez de papo. Ele gostava de contar seus próprios causos e alisar a barba.
A manhã já pedia socorro e nada de chegar ninguém. Nessa hora não se tem jeito de ir embora. É igual festa de aniversário de criança. Só quando a gente vê que alguém conhecido consegue arrancar o filho e se despedir, a gente aproveita a “carona”. O Jamil, me lembro, estava mais incomodado. Como já disse, eu tinha mais afinidade com o Karam, pois frequentava a famosa casa aberta da Rua São Francisco — porres, música, papo furado, sol nascendo.
Lembro que comecei a pensar: pô, se o Karam que é o Karam não consegue fazer ninguém vir ao lançamento do seu livro, imagine se fosse livro meu! Naquele tempo eu não tinha nenhum livro publicado, nem mesmo na gaveta. Aquele pensamento me deixou pra baixo de verdade. Resolvi que nunca faria um lançamento em Curitiba. Não iria passar vergonha — coisa que nenhum curitibano da gema gosta.Quase meio-dia e nada! Não me lembro de nenhum desgosto da parte do Karam. Ele estava na dele. Livro pronto, impresso e lançado. Coisas que gratificam qualquer escritor, mesmo que os leitores passem ao largo. Parênteses pra uma história boa do Karam: Um dia um cara abordou ele e disse que tinha uma ideia pra um livro, que um dia ia escrever, que era difícil pôr no papel, que precisava de tempo, que isso e que aquilo. O Karam abriu a famosa bolsa a tiracolo — bornal —, mostrou um calhamaço e disse: Você tem ideia e eu, mais um livro pronto.
Sei que lá pelas tantas, o Jamil disse que iria embora. Tinha compromisso. Acho que ele ficou bom tempo remoendo uma desculpa. Assim como eu também. Pô, como deixar o Karam sozinho lá?! Cada pessoa que entrava na livraria era como que um oásis entrando num deserto! Mas nenhuma pessoa vinha até a mesa. Ia ver Morris uma West nas estantes.
O Jamil levantou, se despediu e ia saindo. Eu tinha que aproveitar a deixa. Disse que ia jogar bola — e ia mesmo. Levantei me despedi e fui embora. Deu certo alívio sair de lá. Não queria ser a última testemunha ocular da enregelante indiferença dos amigos curitibanos — mas ficou um vazio na boca do estômago. Isso ficou.
Rui Werneck de Capistrano lançou Nem Bobo Nem Nada em Belo Horizonte. 8|10|2010