Kundera define litost como “um estado atormentador nascido do espetáculo da nossa própria miséria repentinamente descoberta”. Sentiu o drama? Essa miséria repentinamente descoberta pode ser revelada de diversas maneiras. Mas o efeito é sempre o de nos fazer sentir a alma nos abandonando, um oco no estômago e na cabeça. Ficamos sem ação, mas nascem um ódio reprimido e uma vontade surda de vingança.Vamos a um exemplo meu.
No colégio onde você estuda de manhã, as meninas estudam à tarde. Como se vê, é um exemplo antigo. Um dia você descobre um bilhete embaixo da sua carteira. É de uma menina que diz querer se corresponder com você. Você estranha, mas responde, sabendo que à tarde ela vai ler. Nasce uma espécie de romance platônico que é alimentado a cada dia por inocentes bilhetes. Você despeja seu romantismo adolescente em poemas, frases roubadas de outros autores, confissões. E ela corresponde. Um segredo que ferve a alma. E dá sentido a tudo.
Certo dia, os seus colegas descobrem seu bilhete e, tirando-o lugar exibem pra sala inteira. Leem em voz alta suas declarações amorosas e tudo mais. É nesse momento que sua alma o abandona — aparece a litost. Suas misérias literárias expostas pra delírio dos amigos.
Tem outros exemplos meus rápidos: no vestiário do colégio, alguém pega sua meia furada, escondida dentro do sapato, e mostra pra todo mundo. O professor que insiste em mostrar que você não sabe resolver nem uma equação de primeiro grau no quadro negro. E a turma toda ri. Kundera conclui que litost é a imagem da nossa idade da inexperiência. Mas que marca profundamente, marca, né? Como se diria litost em português?
Rui Werneck de Capistrano