Sou padrinho de um jovem que não batizei, mas adotei como afilhado. Max é o nome dele. Inteligente, bem-educado, estudioso, tem um sonho: quer ser médico, sempre quis. Habilidoso como é, poderia ser qualquer coisa, engenheiro, bacharel em ciência da informática, mecanógrafo ou qualquer outra profissão que exija técnica e raciocínio. Mas está obstinado em ser médico. Só não sabia que antes de ingressar na faculdade de medicina tem de ir para a guerra e combater colegas de infortúnio. Refiro-me ao exame vestibular, que, todos os anos assusta jovens e arrasa vocações.

Odeio os vestibulares. Como bem diz o meu querido Rubem Alves, com a experiência de professor emérito da Unicamp, educador de nomeada, especialista em jovens, “os vestibulares são um desperdício de tempo, de dinheiro, de vida e de inteligência”. O menino ou menina passa a vida toda estudando para enfrentar o exame vestibular. Quer ser médico, dentista, advogado, professor, engenheiro, arquiteto, jornalista ou fisioterapeuta. Tem talento para isso, quer aprender para exercer a profissão com eficiência e bons resultados. Quer servir à coletividade e ao País. Ser útil no seu campo de atividade e ao semelhante. Construir a sua vida, formar uma família e ser feliz na medida do possível, enfim. Mas tem de ultrapassar o maldito vestibular. Aí, os sonhos vão se dissolvendo e perdem-se no meio do caminho.

Durante o ano todo, em doses diárias duplas e até triplas, os moços vão armazenando conhecimentos e informações desnecessárias e até mesmo estúpidas. Só para enfrentarem a disputa de fim de ano. Passados os exames, como acentua Rubem,

“a memória se encarrega de esquecer tudo, porque a memória não carrega peso inútil”.

Quando enfrentei o “carmunhão”, era diferente. E nem por isso menos difícil e disputado. Mas ia-se ao âmago da questão. Pretendia-se estudar Direito, formar-se advogado? Então, submetia-se a testes de português, de literatura e gramática portuguesas, de latim e de uma língua estrangeira. Depois, acrescentou-se conhecimentos gerais. Era lógico. Hoje, com a “reforma” instituída pela ditadura militar e mantida pelos governos democráticos, tritura-se jovens. Almeja-se ser advogado ou engenheiro, mas deve-se dominar física, química, biologia e coisas que tal.

Se nesta altura da vida, eu fosse submeter-me ao tal exame vestibular, certamente seria reprovado. Como não passariam o ministro da Educação, os reitores das universidades e nem mesmo os professores dos cursinhos pré-vestibulares tão capazes de levar à aprovação os seus alunos e todos em primeiro lugar.

Rubem Alves, aliás, conta que topou com a neta lendo um livro de biologia. Devia estar-se preparando para o vestibular. Mas não viu nenhum entusiasmo no rosto dela. Apenas uma expressão de tédio. Quis saber por que. Ela indicou-lhe, com o dedo um parágrafo assim composto: “Além da catálase, existe nos peroxíssomos enzimas que participam da degradação de outras substâncias tóxicas, como o etanol e certos radicais livres. Células vegetais possuem glioxissomos, peroxissomos especializados e relacionados com a conversão das reservas de lipídios em carboidratos. O citosol (ou hialoplasma) é um colóide… No ciosol das células eucarióticas, existe um citoesqueleto constituído fundamentalmente por microfilamentos e microtúbulos, responsável pela ancoragem de organóides…”.

Meu Deus, como eu consegui viver até aqui sem saber disso?!

Rubem anota que leu ainda palavras que nunca lera antes, como “retículo sarcoplasmático”, “complexo de Golgi”, “pinocitose”, “fagossomo” e “fragmoplastro”… Coisas que fazem lembrar da “rebimboca da parafuseta”… Meu pobre Max, tenho pena de você, que quer apenas ser médico…

Célio Heitor Guimarães (9/11/2008) O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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