Vocês sabem como andam os consultórios. Puizé. Outro dia, numa sala de espera, deparei com várias cidades doentes: uma capital, algumas metropolitanas, duas ou três do interior, uma serrana e até uma litorânea. Não vou dar nomes, vai que vocês convivam com alguma. Queixosas, desfiaram seus rosários.
— -Esse doutor é bom? Tem jeito de tecnocrata…

Nos seus duzentos e tantos anos, ela estava apreensiva com razão. Era uma cidade de grandes proporções, crescendo assustadoramente nos arredores. Via-se que enxergava bem só de dia, à noite devia ter problemas de iluminação pública. Todas olharam para a tabuleta “Urbanista” mas ninguém comentou nada.

Uma outra metrópole, gestante de superpopulação, observava ao redor e se contorcia em tosses: logo percebi que tinha os pulmões tomados pelo monóxido de carbono. Onde já se viu fumar um escapamento atrás do outro, durante décadas? Bem não ia fazer aos milhares de filhos que iria parir em breve.

Outra que não parava na cadeira era uma cidade interiorana, de idade avançada. Provavelmente viera para assuntos de dermatologia. Bastava olhar de esguelha: suas ruas, avenidas e calçadas eram esburacadas, ladrilhos soltos, trechos de paralelepípedos mal alinhados. Enfim, a coitada precisava era de uma plástica.

Num canto, uma cidade de gabarito bem alto revelava uma hipófise com distúrbio, crescimento exagerado, ia acabar com osteoporose na infra-estrutura. Quando uma cidade à beira de água doce quis saber se podia ser diabética, foi a recepcionista quem respondeu:
— É raro cidade grande ter doçura, minha senhora.

Outra, super desenvolvida, mostrava visíveis problemas de circulação: artérias entupidas por um trânsito caótico. Suas varizes eram os nós de um plano diretor equivocado. Dizia que ia tentar uma angioplastia embora admitisse que o remédio que tomava para progredir só pioraria seu estado: outra fábrica automotiva.

Uma cidade encurvada com tantos morros resmungou, olhando pro seu relógio da igreja na praça:

— Não confio nesse doutor. Ele desenganou uma vizinha minha. Ela sofria de um tumor chamado presídio e ele jogou a verdade na cara dela: que esse tipo de câncer não tem cura.

As cidades se horrorizaram. O tempo voava e a fila não andava. Uma cidadezinha de má aparência suava pelos bueiros. E exalava um cheiro acre, problemas de saneamento na certa. Para quebrar o silêncio, outra se lamuriava das suas taxas elevadas: iptu, icms, ipva, água, luz, telefone – tudo acima do normal!

Diante de tantas mazelas urbanas com hora marcada, tive que desistir da minha consulta. Eu, um jovem município rural pouco habitado, esperava pra me vacinar contra a reforma agrária.

Mas isso o PDR atende em domicílio.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.