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Por um tempo minha diversão foi colecionar canções sobre drogas. Nunca fui um junkie e tudo que experimentei me desagradou, mas a discografia sobre o tema sempre me fez a cabeça. As coletâneas de discos 78 rotações da editora alemã Trikont, por exemplo, são uma jóia. Também conhecido como Our Own Voice, criado na cidade de Munique, é o selo independente mais antigo do país. Seus Flashbacks (High & Low / Drugsongs 1917-1944), foram pinçados por Werner Pieper, editor experimental de contracultura, psychonauta, gay e ex-traficante. Nesse volume # 1, você vai ouvir as brilhantes e inesquecíveis That Cat Is High com o The Ink Spots, Harry “The Hipster” Gibson em “Who Put The Benzedrine In Mrs. Murphys Ovaltine?”, Cab Calloway The Ghost Of Smokey Joe, Waring`s Pennsylvanians com Let`s Have Another Cup of Coffee, The Candy Man de Rosetta Howard & The Harlem Hamfats, Gene Krupa Feeling High And Happy. Músicas que foram oficialmente banidas mas que se espalharam nas ondas das rádios livres, em uma típica manifestação da cultura popular.

Alguns dos primeiros passos da música pop foram dados em clubes clandestinos na era da Lei Seca americana. Antes disso, escravos africanos cantavam canções proibidas nos bordéis do sul do país. Algumas coletâneas sobre o tema selecionam faixas de 1917, quando a zona de prostituição de New Orleans foi fechada e as orquestras de Dixieland e Ragtime mudaram suas atividades para Nova Iorque. Essas canções refletiam o modo de vida e o desejo de liberdade daqueles seres. “Nenhuma arte é mais potencialmente emocional e democrática do que a música popular”, afirma Eva Mair-Holmes, a genial transsexual fundadora do selo Trikont. “Como nos primeiros dias deste selo, há mais de 30 anos, continuamos comprometidos com a liberdade de viver as nossas idéias”. Mesmo as mais obscuras, que se refletem na seleção dessas músicas.

Em outra incrível coleção chamada Dope & GloryReefer Songs of the 30`s and 40`s, você ouvirá Chick Webb tocando a clássica When I Get Low I Get High, a divertida Spinach Song (que eu amo) cantada por Julia Lee & Her Boy Friends, Georgia White Stuff is Here, a chapada Save The Roach For Me com Buck Washington, entre outras pérolas pescadas. Na minha preferida Knockin`Myself Out com Jean Brady e o incrível Big Bill Broonzy, a melancólica voz canta “It’s a sin and a shame. But it’s the only thing that ease my heart about my man. When I knock myself out. Lord, when I kill myself, I just knock myself smack out gradually by degrees” (Em uma tradução remota: É um pecado e uma vergonha. Mas é a única coisa que alivia meu coração em relação ao meu homem. Quando eu me nocautear. Senhor, quando eu me matar, eu me nocautear com heroína, gradualmente.)

No Brasil, na década de 20, Sinhô compôs o samba-tango A Cocaína. Orestes Barbosa escreveu A Favela, sobre os ricos de Botafogo que consumiam ópio na tentativa de simular o hábito intelectual e o espírito cosmopolita francês. Versava também sobre os malandros dos morros que começavam a vender cocaína, embora a droga fosse vendida nas farmácias do Rio de Janeiro até 1938. A droga era livremente consumida nos bares, prostíbulos e inspirava a composição de marchinhas para os bailes de carnaval.

Colecionar essas canções, através dos tempos, é tentar preencher um álbum imenso e sem fim. A revista inglesa Mojo, recentemente, listou as suas preferidas. Algumas eu também escolheria: Husker Du “Pink Turns To Blue”, Captain Beefheart “Ah Feel Like Ahcid”, Bob Dylan “Desolation Row”, The Count Five “Psychotic Reaction”, Pulp “Sorted for E’s & Wizz”, The Flamin’ Groovies “Slow Death”, The Velvet Underground “I’m Waiting for the Man” e “Heroin”, Curtis Mayfield “Pusherman”, Ramones “Carbona Not Glue”, Fats Waller “The Reefer Song”, Moldy Peaches “Who`s Got The Crack?”, Black Flag “Wasted”, The Fugs “New Amphetamine Shriek”, Jefferson Airplane “White Rabbit”, The Pretty Things “Defecting Grey”, Chris Bell “I am the Cosmos”, entre milhares.

Sobre o assunto, um mito resiste: vários respeitáveis críticos afirmam que não existem grandes discos realizados sob o consumo de cocaína. Pelo contrário, dizem, o uso intenso desta droga, durante a criação e gravação nos estúdios, só produziu discos épicos arrogantes e egocêntricos como Be Here Now do Oasis (depois do belo Morning Glory) e, principalmente, o promissor Second Coming do The Stone Roses. Por outro lado, existem clássicos produzidos sob o efeito de quase todas as outras drogas disponíveis como, por exemplo, a Heroína (Ladies and Gentlemen We Are Floating In Space do Spiritualized), Ecstasy (Screamadelica do Primal Scream) e o Haxixe (Catch a Fire, Bob Marley). A droga da temporada na Inglaterra é a Mephedrona. Vamos aguardar por novas obras-primas compostas por esses zumbis junkies.

Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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