
Alguns dos primeiros passos da música pop foram dados em clubes clandestinos na era da Lei Seca americana. Antes disso, escravos africanos cantavam canções proibidas nos bordéis do sul do país. Algumas coletâneas sobre o tema selecionam faixas de 1917, quando a zona de prostituição de New Orleans foi fechada e as orquestras de Dixieland e Ragtime mudaram suas atividades para Nova Iorque. Essas canções refletiam o modo de vida e o desejo de liberdade daqueles seres. “Nenhuma arte é mais potencialmente emocional e democrática do que a música popular”, afirma Eva Mair-Holmes, a genial transsexual fundadora do selo Trikont. “Como nos primeiros dias deste selo, há mais de 30 anos, continuamos comprometidos com a liberdade de viver as nossas idéias”. Mesmo as mais obscuras, que se refletem na seleção dessas músicas.
Em outra incrível coleção chamada Dope & Glory – Reefer Songs of the 30`s and 40`s, você ouvirá Chick Webb tocando a clássica When I Get Low I Get High, a divertida Spinach Song (que eu amo) cantada por Julia Lee & Her Boy Friends, Georgia White Stuff is Here, a chapada Save The Roach For Me com Buck Washington, entre outras pérolas pescadas. Na minha preferida Knockin`Myself Out com Jean Brady e o incrível Big Bill Broonzy, a melancólica voz canta “It’s a sin and a shame. But it’s the only thing that ease my heart about my man. When I knock myself out. Lord, when I kill myself, I just knock myself smack out gradually by degrees” (Em uma tradução remota: É um pecado e uma vergonha. Mas é a única coisa que alivia meu coração em relação ao meu homem. Quando eu me nocautear. Senhor, quando eu me matar, eu me nocautear com heroína, gradualmente.)
No Brasil, na década de 20, Sinhô compôs o samba-tango A Cocaína. Orestes Barbosa escreveu A Favela, sobre os ricos de Botafogo que consumiam ópio na tentativa de simular o hábito intelectual e o espírito cosmopolita francês. Versava também sobre os malandros dos morros que começavam a vender cocaína, embora a droga fosse vendida nas farmácias do Rio de Janeiro até 1938. A droga era livremente consumida nos bares, prostíbulos e inspirava a composição de marchinhas para os bailes de carnaval.
Colecionar essas canções, através dos tempos, é tentar preencher um álbum imenso e sem fim. A revista inglesa Mojo, recentemente, listou as suas preferidas. Algumas eu também escolheria: Husker Du “Pink Turns To Blue”, Captain Beefheart “Ah Feel Like Ahcid”, Bob Dylan “Desolation Row”, The Count Five “Psychotic Reaction”, Pulp “Sorted for E’s & Wizz”, The Flamin’ Groovies “Slow Death”, The Velvet Underground “I’m Waiting for the Man” e “Heroin”, Curtis Mayfield “Pusherman”, Ramones “Carbona Not Glue”, Fats Waller “The Reefer Song”, Moldy Peaches “Who`s Got The Crack?”, Black Flag “Wasted”, The Fugs “New Amphetamine Shriek”, Jefferson Airplane “White Rabbit”, The Pretty Things “Defecting Grey”, Chris Bell “I am the Cosmos”, entre milhares.
Sobre o assunto, um mito resiste: vários respeitáveis críticos afirmam que não existem grandes discos realizados sob o consumo de cocaína. Pelo contrário, dizem, o uso intenso desta droga, durante a criação e gravação nos estúdios, só produziu discos épicos arrogantes e egocêntricos como Be Here Now do Oasis (depois do belo Morning Glory) e, principalmente, o promissor Second Coming do The Stone Roses. Por outro lado, existem clássicos produzidos sob o efeito de quase todas as outras drogas disponíveis como, por exemplo, a Heroína (Ladies and Gentlemen We Are Floating In Space do Spiritualized), Ecstasy (Screamadelica do Primal Scream) e o Haxixe (Catch a Fire, Bob Marley). A droga da temporada na Inglaterra é a Mephedrona. Vamos aguardar por novas obras-primas compostas por esses zumbis junkies.
Felipe Hirsch (O Globo)