Um artigo de Eliane Brum na revista Época (http://glo.bo/Pl9U9N) procura entender o fenômeno do candidato líder à prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno. A jornalista vê em Russomanno um indício da ascensão de forças cujo objetivo é transformar o país num cenário de consumo cada vez mais ampliado. O curioso é que são forças às vezes conflitantes, que batalham por objetivos diferentes, mas que numa esquina específica da História, concordam com um objetivo parcial, imediato, e lutam juntos por ele. Acontece o tempo todo, na guerra, na economia (que é uma forma disfarçada de guerra) e na política (que é uma forma disfarçada de economia.)
Por exemplo: a ascensão da Classe C, que no governo Lula teve um crescimento assombroso. Isso interessou ao governo, ao PT e à esquerda em geral porque indicou a passagem da pobreza para a classe média, a entrada de milhões de pessoas no mercado de trabalho mais elevado, e assim por diante. E interessou ao grande capital porque significou mais compradores, mais consumidores. Eram pobres que não tinham dinheiro; agora, são remediados que têm um cartão de crédito, e as pesquisas indicam que esse ex-pobres são ótimos pagadores, só dão calote quando não têm outro jeito. Deixam a geladeira vazia mas pagam a prestação da geladeira. Qual o mercado que não quer 30 milhões de consumidores assim?
Eliane Brum observa: “Ao ascender economicamente, a ‘nova classe média’ parece se apropriar da visão de mundo da classe média tradicional – talvez com mais pragmatismo e certamente com muito mais pressa. Em vez de lutar coletivamente por escola pública de qualidade, saúde pública de qualidade, transporte público de qualidade, o caminho é individual, via consumo: escola privada e plano de saúde privado, mesmo que sem qualidade, e carro para se livrar do ônibus, mesmo que fique parado no trânsito. O núcleo a partir do qual são eleitas as prioridades não é a comunidade, mas a família”. Ou seja: desde que minha família passe bem, o bairro que se dane, eu mudo de bairro.
Russomanno é apoiado pela Igreja Universal do Reino de Deus, e nada mais simbólico do que essa aliança com o comércio religioso, que suga cada centavo em troca de absolvição de pecados ou de uma vaga no Paraíso. Não foram os neo-evangélicos, aliás, que inventaram isso: a igreja católica sempre cobrou pelos seus serviços espirituais, e muitos Papas já zeraram os pecados de um Rei em troca de vantagens políticas. O instinto do comércio (a arte de comprar e de vender, que se refina na arte de comprar os outros e vender a si próprio) parece estar mais entranhado na alma humana do que o próprio instinto religioso.