Sou Rachel de Souza Vitola. Nasci em Curitiba, no dia 8 de junho de 1921. Isso quer dizer que hoje estou fazendo 100 anos de vida. Pode parecer muito, mas garanto que passou rápido.
A casa de meus pais, Theobaldo Souza e Laura Peixoto de Souza, ficava na Carlos de Carvalho, número 417, entre as ruas Visconde de Nácar e Visconde do Rio Branco. Sou a primeira filha deles, quer dizer, sempre fui a mais velha. Meus irmãos, Nelson, Valderez, Maria Helena e Roberto nasceram depois de mim. Mas foram embora muito cedo, assim como meus pais.
A própria casa já não existe. Um grande edifício cresceu no lugar dela. Para mim, porém, a casa continua viva na memória e posso passear por ela sempre que eu quero, até de olhos fechados.
Do outro lado da rua, ficava o engenho de mate que pertencia a meu bisavô, Vitorino Correia. A filha dele, Maria Olímpia, casou com Francisco Peixoto. E desse casamento, nasceu minha mãe, Laura, e meus tios, Oscar, Maria José, Vitorino, Estela, Ione e Célia.
Meu avô, Francisco, abriu uma loja de tecidos na rua XV, especializada em roupas brancas. Assim como Francisco, meu pai era antoninense. Um dia ele veio para Curitiba com recomendação para trabalhar na loja de roupas brancas, a Maison Blanche. Theobaldo ganhou o emprego, a simpatia e a confiança de toda a família. Apaixonou-se por minha mãe, Laura, e casou com ela em 1920, um ano antes de eu nascer.
Passei uma infância muito feliz na Curitiba daquela época, entre muitos primos e vizinhos, todos muito amigos. Eu tinha talento para o teatro. E encenei várias peças com a minha turma da Carlos de Carvalho. Um dia, eu contei para os meus filhos que cheguei a trabalhar num espetáculo no velho Teatro Guaíra, mas parece que eles não acreditaram muito. Eles só desconfiam que pode ser verdade porque, às vezes, eu improviso versos e tenho uma voz muito boa para declamar. Aliás, sempre fui a oradora oficial da família. Em todas as festas e eventos familiares, na hora de falar, todo mundo fica quieto para me ouvir.
Estudei no Colégio Divina Providência, na Rua do Rosário. Depois, fui normalista e me formei professora no Instituto de Educação. Lecionei por vários anos no Grupo Tiradentes. Amava lecionar para crianças de todas as idades.
Um dia, o Henrique Correia de Azevedo, namorado da minha amiga Esther, apresentou-me um rapaz com quem ele havia estudado no Seminário Franciscano de Rio Negro. O nome dele era Felippe Vitola Júnior, filho mais velho do professor de francês Felippe Vitola e de dona Elisa Vitorasso Vitola.
Não demorou muito, comecei a namorar o Felippe. Ele era funcionário da Rede Ferroviária Federal. À noite, estudava Odontologia na Universidade do Paraná. Logo que ele se formou, em 1945, meus tios Jaime Bueno Monteiro e Célia Peixoto Monteiro financiaram a montagem do primeiro consultório de Felippe. No mesmo ano, casamos, no dia 8 de dezembro. Eu continuei lecionando e ele trabalhando no consultório instalado na casa em que morávamos, na rua Paula Gomes.
Assim foi até que, em meados de 1946, fiquei grávida de meu primeiro filho. Foi uma mudança grande na vida. Em abril de 1947, nasceu o Paulo Francisco e fomos morar no andar de cima da casa de meus pais, na Carlos de Carvalho. Ali foi nossa casa durante 9 anos. Meu marido instalou o consultório dele na rua XV, em cima da Confeitaria das Famílias. E os filhos foram nascendo. Bernadete em 1948, João Carlos em 1950, Ana Maria em 1956 e, daí, a casa ficou pequena.
Construímos nossa casa na Rua Padre Agostinho, perto de onde hoje é a Praça da Ucrânia, então um lugar distante e ainda pouco habitado. Quando soube para onde íamos nos mudar, minha sogra ficou espantada. Não era para menos, antigamente a região era conhecida como Mato do Enforcado. Mas nos mudamos e, em 1961, nesta casa, nasceu nossa filha mais nova, Teresa. Todos cresceram ali, casaram e dali partiram para construir suas própria vidas. Construímos uma casa na praia de Itapoá que, até hoje, a família frequenta. Meu marido, Felippe, amava esse lugar.
Bem, depois de trabalhar como dentista até os 80 anos, aposentou-se. E, ora na casa da praia, ora na casa de Curitiba, passou a se dedicar à pintura de aquarelas, à leitura, à escrita e à jardinagem. Em 2010, faleceu aos 96 anos de idade.
Também perdi dois genros. O Moacyr Álvaro de Souza, que foi casado com a Bernadete, e o Carlos Marinho, que casou com a Ana Maria. Meu genro Nelson Bond, casado com a Teresa, gosta de me visitar e cuidar do nosso jardim. E minha nora Maria Luiza, casada com o João Carlos, que todo mundo chama de Pico, também está sempre por perto.
Eu continuo morando na mesma casa. Tenho 9 netos (Mônica, Domênico, Cristiane, Francisco, Daniel, Laura Elisa, Paula, Rachel e Bianca), além do Bernardo, filho do Paulo e da Elizabeth, falecido prematuramente em 2004. Meus 4 bisnetos (Ana Luísa, Isabella, Maria Fernanda, Elis e Henrique), volta e meia, vêm me visitar. Meu filho mais velho, Paulo Francisco, mora comigo. Minhas filhas estão sempre me fazendo companhia. Cada uma delas passa 10 dias por mês aqui.
Eu poderia seguir falando por bem mais do que 100 anos para contar tudo que aconteceu nos 100 anos da minha vida. Não tenho esse tempo. Mas tenho tantos amigos que não me preocupo com isso. Eles vão saber contar quase tão bem quanto eu.