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Peço permissão para reproduzir uma mínima parte da relação epistolar travada com Will Eno, o autor que reencontramos no Jardim Botânico, todos os finais de semana, durante esse verão, com a Sutil Companhia. Trabalhamos muito próximos durante os anos de 2003, 2004 e 2005. Durante esse período montamos Temporada de Gripe, Will escreveu Thom Pain e Lady Grey, e desenvolvemos o roteiro de Insolação, nosso filme. Nesse período também começamos o trabalho sobre Viktor Schklovsky, batizado Não Sobre o Amor. Depois, uma longa pausa de 4 anos até o lançamento de Insolação no Festival de Veneza. Essa carta é um pedido de desculpas:
Will,

Devo começar esse e-mail com um pedido de desculpas do tamanho de 4 anos! Tentar explicar essas coisas é difícil e contrangedor. Nesse tempo, minha vida mudou completamente. Fui pra Paris, comecei um relacionamento novo, casei, mudei de casa, cidade. Foi um tempo difícil e importante. Havia mudado minhas perspectivas em relação ao que eu queria fazer no teatro também. Temporada de Gripe foi um marco. Falava de amor e me apontava um caminho mais pessoal. Naquele momento, é importante que você entenda isso, poderia escolher ficar dirigindo grandes nomes do teatro do meu país, e ganhar uma grana, ou desenvolver mais minha personalidade, minha companhia e ficar fodido. Escolhi a segunda. Estava completamente exausto fisicamente e psicologicamente. Morava oito meses por ano em quartos de hotel.

(…) Então resolvi montar Thom Pain – Lady Grey. A relação deles com a sua vida, Raquel, o chá inglês, amei percebê-la em como você se expôs. E mais do que isso, como exposição é o cerne dessa obra. Lembro que, quando você esteve no Brasil, numa entrevista, você disse que foi assistir uma peça, talvez com seu pai, não lembro, e que através de um fio de nylon uma cadeira deveria ser retirada do palco, num truque simples. Que isso deu errado, a cadeira saiu sendo arrastada e o público silenciou de tensão por aquele momento. E que você escrevia para revisitar aquela sensação. A história não deve ser bem essa. Mas essa foi a que ficou na minha cabeça. Thom Pain causa isso. Ele se expõe, como você, ao teatro e fracassa na sua tentativa de explicar a sua dor. O que gera na platéia uma sensação de frustração, como se estivesse diante de um homem-ator que fracassou em explicar sua dor mas que, certamente, foi fiel a nossa incapacidade de explicar a nossa dor e se expôs como só o teatro nos faz se expôr. Saiba que um cuidado imenso foi tomado e que isso gerou um espetáculo lindo e polêmico. Mando pra você duas fotos dessa montagem, espero que você goste. Abaixo algumas entrevistas e partes de matérias da época:

“(…) Conheci o trabalho do Will Eno quando estudava Albee. Este acha o trabalho deWill o mais representativo entre as novas gerações. Will foi exaustivamente comparado a Beckett pelos jornais na Europa e Nova Iorque. Descobrimos o trabalho do Will muito cedo, quando ele ainda era inédito na América. Agora ele já foi até indicado ao Pulitzer. Resolvemos convidá-lo para uma temporada conosco no Brasil. Ele, por sua vez, trouxe Raquel, sua namorada na época, uma grande atriz inglesa. Fizemos um trabalho que considero um dos melhores da Sutil Companhia. Sobre esse tempo por aqui, com Raquel, e sobre a separaçãoposterior,Will escreveu Thom Pain – Lady Grey (…) Temporada de Gripe é uma peça sobre a paixão. A gripe é isso: estar apaixonado. Os doutores da peça tratam a paixão com distância. São profissionais. Além disso a peça trata da desconstrução da criação de uma história de amor. E isso afeta todos os envolvidos. Diretamente ligada ao tema é Thom Pain – Lady Grey: Um homem reflete sobre o fim de um amor em frente a uma platéia. Suas decepções e perdas. O outro lado é o de uma mulher que, como em um exercício de mostre-e-conte, tenta mostrar ao público algo que a represente depois do abandono. Thom Pain – Lady Grey é um espetáculo extremamente pensado, sem concessões ao próprio espetáculo, assim como é Temporada de Gripe. Ele pode ser muito emocionante também, se você quiser que ele seja assim com você (…) 

(…) Um detalhe: Raquel era inglesa. Por isso Lady Grey, um chá feminino. (…) Ficamos próximos dessas peças desde 2003. Depois disso, me separei também e viajei para longe por alguns meses. Em Londres, escrevi e reescrevi e-mails de até 16 páginas para Will, discutindo Insolação. O processo de Temporada de Gripe já havia sido assim. Intenso, cheio de palavras trocadas a distância. Lembro que ensaiávamos no inverno, em Curitiba, com uma temperatura abaixo de zero. (…) Thom Pain – Lady Grey ensaiamos, em 2006, em um quarto de hotel, no Rio de Janeiro. Quando embarcamos para Porto Alegre, baseado em uma frase do texto, antítese de Shakespeare, disse que não faríamos um espetáculo pronto. A frase é: “O não estar pronto é tudo” (…) A aparente prolixidade de Thom Pain é, no fundo, uma linguagem de idéias manipuladas com pinça cirúrgica. Thom Pain – Lady Grey é uma obra sobre a inevitável e irremediável perda. E sobre códigos que despertam as memórias que nos acompanham. É uma tentativa de falar sobre os sentimentos intraduzíveis. Sobre signos e símbolos imaginados, perdidos, esquecidos, mas ainda inúteis em tentar nos ajudar a contar como nos sentimos no olho do furacão de uma decepção amorosa. Will Eno expôs isso no seu trabalho. Na verdade, expôs até o limite da intolerância, o fracasso da tentativa de descrever esse sentimento de perda. Will Eno quebra códigos, frustra expectativas.

(…) Thom Pain também conta o encontro de um homem que chega numa cidade nublada, chuvosa, e se sente infeliz até encontrar a mulher de sua vida. É sobre um homem do Brooklyn em Londres ou sobre o americano Cole Porter, em Londres, cantando A Foggy Day (…)
continua… Felipe Hirsh (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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