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Para um garoto, crescer apaixonado por musas punks como Chrissie Hynde, Kim Gordon, Kim Deal, Marianne Faithfull, Anita Pallenberg, Cait O`Riordan, Viv Albertine, Nico, Polly Jean Harvey não é fácil. Thurstoon Moore mesmo, um dos gênios do Sonic Youth, confessou ter se mudado para Nova Iorque em 1977, do alto dos seus 18 anos, para tentar transar com Patti Smith que, naquele tempo, com 31 anos, já havia lançado seus clássicos Horses e Radio Ethiopia (linda nas duas capas fotografadas por Robert Mapplethorpe). Eu teria feito o mesmo, se não tivesse, na época, cinco anos, e não estivesse tão envolvido com o meu Playmobil posto de gasolina.
Em Nova Iorque, Thurston Moore acabou se perdendo de Patti Smith e conhecendo uma menina estranha que morava no mesmo edifício do artista plástico Dan Graham. Ela se chamava Kim, usava óculos com lentes removíveis e tinha um cachorro sheepdog chamado Egan. Ela tinha olhos lindos, um sorriso lindo e inteligente e parecia ter um lado sensível intelectual e espiritual. O resto é barulho. A No Wave do Sonic Youth só estava começando.
Quando Chrissie Hynde veio morar no Copan, determinei minha vida definitivamente em São Paulo. Quando ela foi embora, perdi essa certeza. Dizem as más línguas que Don`t Get Me Wrong é dedicada ao tenista John McEnroe. Prefiro não acreditar nisso.
Num desses episódios da vida, Beth Gibbons pediu fogo pra mim, assistindo, ao meu lado, um show do Lambchop. Eu procurei, envergonhado, o impossível isqueiro no bolso da camisa e finalmente disse que não fumava. Nunca desejei tanto fumar quanto naquele dia. Passei um ou dois dias depois comprando maços, isqueiros de cores variadas, tentando tragar desajeitadamente, mas desisti. Desde então apoio o lindo artigo de Luiz Felipe Pondé na Folha de São Paulo que diz que o “impulso fascista moderno não deveria, em hipótese alguma, restringir a liberdade dos fumantes em espaços públicos abertos”.
Com Marianne cruzei em um corredor, no intervalo de sua participação em Black Rider de Bob Wilson, no Barbican em Londres. O mundo saiu debaixo dos meus pés por dois ou três minutos e eu caí vertiginosamente numa paixão tardia. Já havia resolvido esse problema desde a época de Broken English. Mas aquele corredor era estreito demais para passar meu amor platônico cultivado ao longo de tantos anos.
Ari (Arianna) Up, tristemente, morreu há pouco tempo; e eu não tenho notícias de Viv Albertine e de Palmolive (Paloma Romero). Onde estarão as minhas meninas punks do The Slits e do The Raincoats?
Cait O`Riordan continuou morando na mesma casa em Londres depois que Elvis Costello a trocou por Diana Krall e Vancouver. Que é como trocar andar de Dr. Martens num filme do Mike Leigh, por andar de salto alto em Pandora.
Sobre Nico, vocês podem saber mais no excelente documentário Nico Icon de 1995, dirigido por Susanne Ofteringer. Inclusive sobre, Chis Ari Päffgen, seu filho, que seguiu os passos mais junkies da mãe, com a ausência imposta pelo pai, o ator francês Alain Delon. Nico é a voz mais presente na minha juventude. Por um tempo eu achei que as vozes da garotas que conheceria na minha vida seriam sempre distorcidas e graves como se saíssem de uma gravação de um disco do Velvet Underground.
Não foi fácil me livrar de Kim Deal e quando consegui, surgiu Feist.
Sobre Polly Jean Harvey não gosto nem de falar. Já contei aqui que, quando morava em Ipanema, da minha janela, toda noite, uma plataforma marítima se movimentava, enquanto eu esperava na TV, ansiosamente, pelo vídeo de A Place Called Home do disco Stories From The City, Stories From The Sea. Quando finalmente acontecia, os vermelhos, verdes, azuis e pratas invadiam meu quarto escuro. Foi um longo tempo até esquecer isso. Até esquecer o show cabaret em que a vi de perto, vestida para um baile com maquiagem de vampiro (visual que ela chamou docemente de “Joan Crawford tomando ácido”). Foi quase impossível esquecer sua voz falando sobre Captain Beefheart, música folk russa e irlandesa e Henryk Górecki. Foi difícil não lembrar mais de suas fotos, desde a capa de Dry, tiradas por Maria Mochnacz. Deixar de imaginá-la estudando esculturas na Saint Martins College of Art & Design (a mesma de Common People de Jarvis Cocker). Esquecer de suas Desert Sessions Vol. 9 & 10 com Josh Homme, de seu disco com John Parish, de sua parceria com Mark Linkous do Sparklehorse, de sua trilha sonora para Hedda Gabler de Ibsen, com Mary-Louise Parker no papel título.
Como não ouvir mais, repetidamente, Into My Arms com Nick Cave, música dedicada a sua amada Polly, gravada no seu disco de separação, The Boatman`s Call? Foi muito difícil tentar me manter, saudavelmente, longe de tudo isso.
Mas agora ela lança esse Let England Shake? Esse disco saído de uma tela de guerra de Goya? Serão mais dez anos para esquecer o que aconteceu entre nós.
Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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