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Joe Strummer disse que ele era o triunfo do estilo sobre o conteúdo. Ele sabia todos os movimentos, vestido na sua calça de couro preta, andróginamente maquiado, com seus cabelos laqueados. Por franceses, ele era conhecido como Le Diable Noir. As garotas o amavam. Mas ele mal conseguia cantar no tom certo de sua música. Ainda assim era excitante, eletrificante o assistir pulando sobre o piano, balançando o microfone, deitado no chão do palco. Ele justificava as palavras bíblicas do Gênesis: “No princípio era…”. Em seu tempo apocalíptico, no princípio era Vince Taylor, no rock inglês, e o resto era silêncio. Ele era o milagre da criação. É claro que num outro planeta, não tão distante dali, chamado América, havia Gene Vincent e Elvis Presley. E Vince Taylor, nascido Brian Holden, em Isleworth, Middlesex, sabia disso. Morou na Califórnia, por causa do romance de sua irmã com Joe Barbera, mais tarde sócio de Bill Hanna, produtores de Tom e Jerry, Pepe Legal, Manda Chuva, Jetsons, Scooby-Doo, vocês sabem, entre muitos outros.

Em Hollywood, Brian Holden estudou radio e teve aulas de vôo. Impressionado com os Cometas de Bill Haley, começou a cantar em festas e boates de Zuma Beach em Malibu. De volta a Old Compton St. se apaixonou por uma turma de rockabillies, ação repetida muitos anos mais tarde, em Camden Town, por Morrissey. Foi Mozz que me apresentou o vídeo de “Theres`s A Lotta Twistis Goin`on” antes de um show de Berlim. Brian Holden formou sua banda: os Play-Boys. Num maço de cigarros Pall Mall leu a tradução latina da frase grega: “com este sinal, vencerás”: ‘In hoc signo vinces”. Assim, decidiu como seria conhecido e entraria para história: Vince Taylor (numa pequena homenagem ao ator Robert Taylor também); ou melhor: entraria para a história, sem ser conhecido. Em uma longa série de contratempos, de altos e baixos, Vince Taylor, com sua personalidade arredia e instável, lançou seu único disco pela francesa Barclay Records, cinco EPs e alguns singles pela Parlophone, entre eles, Brand New Cadillac, segunda faixa clássica de London Calling (até onde eu o conhecia na minha juventude), e foi só.

Em 64, no Olympia de Paris, ele abriu a tour pela Europa dos Rolling Stones. Mas sua mente afetada por uma combinação de álcool, speed, Preludin, spliffs e LSD, mais o seu estilo selvagem de encarar a vida com seu temperamento vulcânico, o destruiu. Errático, incoerente e precocemente decadente, declarou ser a reencarnação do apóstolo Mateus para uma audiência incrédula em um de seus últimos intempestivos shows. A partir daí só ladeira abaixo. Vince Taylor se envolveu, sincréticamente, com uma série de questionáveis movimentos religiosos e, depois, passou a década de 80 tentando voltar, gravar ou se apresentar ao vivo, sempre com resultados desastrosos. Isso, até a sua morte por câncer no início da década de 90. Ao que tudo indica, no fim, Vince teria acalmado seus negros demônios, casado tardiamente com sua namorada e trabalhado os últimos anos de sua vida como mecânico de pequenos aviões! (quem se arrisca?) no interior da Suíça. Dizem que foram os dias mais felizes de sua vida.

Nossa história volta no tempo 25 anos. Em 1966, um garoto chamado David Robert Jones, com 19 anos, encontrou Vince Taylor, com 26, consultando um mapa mundi(!) na saída do metrô de Tottenham Court Road. Vince Taylor se auto-proclamava uma composição entre um enviado divino e um extraterrestre. Com relativa calma, Vince apontou para o garoto, no mapa, onde as naves espaciais em breve desceriam para, enfim, levá-lo. O garoto se apaixonou por aquele personagem. Meio garoto também (Vince ainda era muito novo), um anjo caído num abismo profundo demais para conseguir ser resgatado. Havia algo tão bonito e tocante em Vince e seu mapa maltratado do mundo, que o garoto sabia que aquele dia o acompanharia para sempre. Essa é a verdadeira história de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, da ascensão e queda de Ziggy Stardust, personagem criado por David Bowie, o garoto do metrô. Bowie disse que Vince taylor sempre viveu em sua cabeça como um exemplo do que pode acontecer no Rock`n`Roll. Ele era um ídolo mas também um erro para não repetir. Havia algo muito tentador em nunca se afastar dos extremos. Ziggy é a manifestação humana de um alien tentando conviver com a humanidade nos últimos cinco anos da sua existência. É a verdadeira estrela de rock. Promíscua, drogada, selvagem, mas pacífica e amorosa. Destruída pelo próprio excesso e pelos seguidores que ele inspirou.

Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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