E nem olho tão longe, senhores.
Início dos 60s, se tanto, numa prova de que a cidade cresceu com uma pressa e uma urgência desusadas. Não sou nem nunca fui saudosista; prova-o a literatura que faço nem um pouco apegada ao passado e a suas inerentes fossilizações. Mas lembrar lá me põe às vezes comovido como o diabo.
O fato é que não se fazem mais Curitibas como antigamente. Metrópole, mora conosco a agrura, o caótico trânsito de cada dia, a pressa, a ansiedade e esta anonimidade que nos torna frios números estatísticos. Sejam os que referem a quantidade de veículos nas ruas, sejam os que dizem quantos somos os milhões de almas cá no burgo de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.Que foi, um dia, pouso de bois, sob o lavado céu de estrelas a prenunciar mais uma manhã de pesadas geadas. Caminho de tropas, planalto e solidão.
Mais de um milhão de veículos! E é entre eles que sigo, no “Cavalinho”, meu Uno vermelho, 95, motorista tardio, ainda hoje alguma vez temeroso e inseguro entre os carrões que passam feito bólides do Terceiro Milênio. Na cidade que foi de meus avós, depois de meus pais, e que hoje é minha e de meus “filhos”, postiços, porém “filhos”, e dos filhos de meus filhos postiços, estes filhos de verdade dos filhos que nunca tive…
Recordo o poeta-irmão, Paulo Leminski, aferrado à idéia de que poeta que é poeta não dirige, esquecido de que a uma poeta, e poeta maior, Alice Ruiz, delegava o volante do velho fusca verde (né mesmo, Soldinha?), íntimo das trilhas do Pilarzinho e de tantas outras trilhas, pelo passado.
Decidi enfrentar a direção de um carro, já cinqüentenário, depois de interpelado pelo escritor Roberto Gomes, ao me ver, caminho do ponto de ônibus, carregado de sacolas: “Só é moderno em literatura?” – me pôs na parede o meu primeiro editor, e autor, entre outros ouros, de Crítica da Razão Tupiniquim. Confesso que corei.
Algum tempo depois, renovei uma carteira caduca de mais de trinta anos e comprei um Chevrolet automático, o “Belo”, e que foi uma das maiores encrencas automotivas que já tive na vida. Ainda hoje sofro as seqüelas daquele carro temerário – seja no sagrado pânico de estacar em plena Visconde de Guarapuava ou de me precipitar no primeiro abismo da estrada das praias.
Razão mesmo tinha um motorista de táxi, o Deonilson, que me serviu durante anos: dirigir é como empalhar passarinho, a gente aprende e empalha mas o passarinho vai parecer sempre vivo.
Ah, os motoristas, os poetas e os filósofos!