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Existem inúmeros exemplos de discos conceituais sobre o fim de relacionamentos amorosos. Obras confessionais sobre rompimento, perdas, compostas em períodos sombrios, logo após ou durante uma separação. Estes exemplos são os meus preferidos:

Frank Sinatra – In The Wee Small Hours 1955

– A voz de Sinatra nunca foi tão melancólica, solitária e desolada. Reflexo de sua relação angustiante com Ava Gardner. Moon Indigo de Duke Ellington, What Is This Thing Called Love? de Cole Porter e principalmente, I Get Along Without You Very Well do gênio de Hoagy Carmichael, são trechos dessa história de amor contada faixa a faixa. Só lembro de um Sinatra mais triste: em September of my Years, seu album conceitual sobre a velhice e sobre seu relacionamento com a jovem Mia Farrow.

Lee HazlewoodRequiem For An Almost Lady 1971 – Uma poderosa voz nos conduz pelos caminhos de sua relação agonizante. Dez faixas curtas, com introduções faladas, compõem esse disco cheio de ironia e desconfiança na relação com o amor. Minha preferida é a de abertura: I`m Glad I Never (Be Glad I Never Owned A Gun). Uma meditação sofisticada, e repleta de humor negro, sobre a ternura perdida.

Paulinho da ViolaNervos de Aço 1973 – A primeira separação levou o compositor a se expor corajosamente nesse disco. Da faixa título de Lupicínio Rodrigues ao Choro Negro no final sombrio, de Não Quero Mais Amar A Ninguém a inacreditávelmente bela Comprimido, tudo nesse disco confessa a dor. “O meu primeiro amor morreu, como a flor ainda em botão …”

John Lennon –

Walls And Bridges 1974 – Criado durante o período de sua vida conhecido como “Lost Weekend”: Uma mistura de exílio dopado e festa sem fim, em Los Angeles, durante um tempo de separação de Yoko Ono. Um disco desigual, surreal, revelando o momento extremo que passava. A voz de Lennon em #9 Dream é inesquecível. Nobody Loves You When You`re Down And Out continua sendo uma das músicas mais tristes que conheço.

Bob Dylan – Blood On The Tracks 1975 – Concordo com quem diz que Bob Dylan lançou obras mais importantes, mas nunca melhores do que esse disco. É o meu escolhido. A capa, o título, a composição mais perfeita de um disco de amor. Ou melhor, sobre o final dele. Arrependimentos, pedidos de perdão e acusações. Um documento confessional emocionante. Gravou o disco duas vezes. Um primeiro mais melancólico e amador. Um outro mais agressivo e profissional. Esse último é o oficial. Procure também Blood On The Tracks Bootlegs. Ou ouça as três faixas da primeira gravação, lançadas oficialmente, na Bootleg Series 1-3. É interessante saber que, apesar de ser reconhecido como o disco da separação de seu casamento com Sara, Bob Dylan afirma, em suas Crônicas Volume 1, ter se inspirado nos contos de Tchecov para criar as canções.

Marvin GayeHere, My Dear 1978 – Os sons do divórcio gravados. A separação de Anna Gordy Gaye rendeu a Marvin esse disco único em sua carreira. Espécie de diário longo da ruína de uma relação, o disco contava a infelicidade e o inconformismo do seu criador. Na sua capa, vítima de um julgamento, Marvin Gaye entregava sua música em troca de jóias e futilidades. O incrível cantor nunca pareceu tão frágil e falível, mas ouvi-lo assim, embora melancólico, é um testemunho comovente.

Caetano Veloso Caetano 1987 – O “disco da praia”. O disco triste de Caetano. A morte do pai e a confirmação do fim de seu primeiro casamento se refletem na voz e no tempo do artista. Na primeira frase, uma confissão: “Estou no fundo do poço”. A partir daí, José, Noite de Hotel, Canto do Bola de Neve, O Ciúme e a sensível regravação de Fera Ferida nos conduzem pelo mar azul de sua tristeza. Produção crua e conceitual de Caetano e Guto Graça Mello. Capa linda de Luiz Zerbini e

Flavio Colker.

Bruce SpringsteenTunnel Of Love 1987 – Um disco intimista, pessoal e romântico, na contramão do poderoso sucesso de Born In The U.S.A. Autobiográfico, Bruce relata abertamente a história do último ano de seu casamento. Na mais linda canção do disco ele nos diz:
“A mesma velha história, um passo pra frente e dois para trás, é a mesma coisa noite após noite, quem está errado, quem está certo, uma outra briga e eu bato a porta, uma outra batalha na nossa pequena guerra, quando eu olho pra mim eu não vejo o homem que eu queria ser, em algum lugar do caminho eu me perdi, andando um passo pra frente e dois para trás.”

Recentemente, tantos outros poderiam ser citados: O belo Sea Change do Beck; For Emma Forever Ago de Bon Iver e mesmo Back To Black da Amy Winehouse. A discografia da separação é longa e generosa.

Sempre lembramos do nosso primeiro amor de uma maneira doce. Mesmo que ele tenha acabado. Não é uma coisa triste. Não é uma má lembrança. É claro que seria melhor homenagear o dia dos namorados listando discos conceituais sobre o início do amor. Mas são tantos! Estes acima são sobre as perdas. Mas como disse Paulo José, em Insolação: o amor não foi feito para sermos felizes e sim para nos sentirmos vivos. Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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