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Olha Wisnik, bem que eu pensei em falar sobre tudo, mas lá, antes do número 1, decidi que falando assim, não ostensivamente, mas profundamente sobre algumas das minha paixões relacionadas à música, obrigatoriamente tangenciaria ou até alvejaria outros assuntos disfarçados no sangue das faixas dos discos (como disse Bob Dylan) ou os que orbitaram pelo universo que testei, saboreei durante a minha vida. É verdade que, desatento, um leitor pode só ler o título repetitivo e o número monótonamente crescente e achar que se trata de mais do mesmo. E é. Mas sabemos que precisamos de dedicação, para falar e absorver sobre arte. O papel do leitor é tão importante quanto o do colunista. O papel do crítico é tão importante quanto o do artista. Por isso desejo ser cada vez mais pessoal nesse espaço. Falei sobre tanta coisa aqui que até acho que deveria ser mais ousado à ponto de tentar falar mais sobre uma coisa só. Domingos de Oliveira me disse que essa coisa era o amor. Eu aprendi isso. Francis Bacon disse que todos nós tivemos o momento da revelação de nosso tema eterno. De nossa obsessão. O dele aconteceu num passeio com a mãe pelo açougue da Harrods em Londres. Mas isso é sobre arte, não sobre colunas. Aqui meus assuntos tentam desesperadamente se afastar do artista que eu sou. Sei que você, delicadamente, não me pede nenhuma justificativa mas gostaria de aproveitar seu espaço para repetir que minha única obsessão aqui é a de gerar amor. Tenho pedido insistentemente em redes sociais e espaços, ao meu alcance, que jovens dividam suas paixões e não seus ódios.

Que falem sobre seus discos, filmes, peças, livros preferidos. Que falem sobre tudo ou uma coisa só, não importa, mas que falem com amor. O amor é uma força mais assustadora do que o cinismo. É com ele que você lapidará seu mundo. É com ele que você honrará seu espaço. Prefiro pensar que desperto a curiosidade de jovens, como eu fui, capazes de buscar informações sobre algo que não conheçam, pelo prazer apaixonado que a música pop desperta. Ela os levará além. Ela me levou. Paulo Leminski a levou. E hoje, estes jovens têm as ferramentas que os projetam no mundo. Eu cresci ouvindo música no meu quarto. Meus amigos também. Morrissey ouvia música no seu quarto em Hulme. New York Dolls. E isso um dia o levou a Oscar Wilde. Rodávamos a cidade pequena em busca de um vinil de 180 gramas. Quando me deparei com Get Happy! do Elvis Costello, hiper-ventilei, meus pés formigaram, minhas mãos tremeram, meu coração quis fugir pela boca e anunciar que estava eternamente apaixonado. Desde então, tenho interesse por um pouco de tudo, mas o que há de único em mim é a minha paixão pela música.

Mas essa coluna era sobre a California. Sobre o show do Portishead que vi aqui no Teatro Grego de Berkeley. Ou sobre ter passado uns 30 minutos olhando para o prédio da Capitol Records. Ou sobre como eu adoro as pequenas livrarias da California com suas indicações de livros escritas carinhosamente em cartões postados na frente das edições. Sobre o impacto de ter entrado na Stahl House, Case Study # 22 de Pierre Koenig (sou fascinado pela foto clássica de Julius Schulman). Sobre a Mullholand Drive de Hockney. Sobre Elliot Smith. Sobre a cena punk da costa oeste que já está lá, acreditem, exposta no Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles sob o título do lindo disco do X “Under The Big Black Sun”, no meio de Ruscha e é claro Raymond Pettibon, irmão de Greg Ginn do Black Flag. Queria falar também que, pelo pouco que sei, o disco Rise Above do Dirty Projectors é uma regravação de memória da juventude de David Longstreth sobre o disco Damaged (estreia do Black Flag). Ele regravou o disco sem ouvi-lo de novo. Simplesmente como ele o lembrava. E sobre o quanto eu acho isso lindo e libertador. Outro possível assunto seria essas pessoas loucas e incríveis de San Francisco. Em uma das minhas colunas sobre música falei sobre Robert Crumb e a cena de Haight-Ashbury. E hoje, por acaso, andei por essas ruas e lembrei que uma frase daquele velho Pop Cult foi cortada por falta de espaço. Nela eu contava que Crumb trabalhou em Cleveland para uma grande corporação de cartões de felicitações e que seu chefe achava seus desenhos grotescos e o treinou para desenhar de maneira fofa. Crumb, mais tarde, confessou sua atração sexual por personagens adoráveis e felpudos, citando Pernalonga como o mais desejável. Ainda vou falar sobre tudo aqui.

Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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