Que falem sobre seus discos, filmes, peças, livros preferidos. Que falem sobre tudo ou uma coisa só, não importa, mas que falem com amor. O amor é uma força mais assustadora do que o cinismo. É com ele que você lapidará seu mundo. É com ele que você honrará seu espaço. Prefiro pensar que desperto a curiosidade de jovens, como eu fui, capazes de buscar informações sobre algo que não conheçam, pelo prazer apaixonado que a música pop desperta. Ela os levará além. Ela me levou. Paulo Leminski a levou. E hoje, estes jovens têm as ferramentas que os projetam no mundo. Eu cresci ouvindo música no meu quarto. Meus amigos também. Morrissey ouvia música no seu quarto em Hulme. New York Dolls. E isso um dia o levou a Oscar Wilde. Rodávamos a cidade pequena em busca de um vinil de 180 gramas. Quando me deparei com Get Happy! do Elvis Costello, hiper-ventilei, meus pés formigaram, minhas mãos tremeram, meu coração quis fugir pela boca e anunciar que estava eternamente apaixonado. Desde então, tenho interesse por um pouco de tudo, mas o que há de único em mim é a minha paixão pela música.
Mas essa coluna era sobre a California. Sobre o show do Portishead que vi aqui no Teatro Grego de Berkeley. Ou sobre ter passado uns 30 minutos olhando para o prédio da Capitol Records. Ou sobre como eu adoro as pequenas livrarias da California com suas indicações de livros escritas carinhosamente em cartões postados na frente das edições. Sobre o impacto de ter entrado na Stahl House, Case Study # 22 de Pierre Koenig (sou fascinado pela foto clássica de Julius Schulman). Sobre a Mullholand Drive de Hockney. Sobre Elliot Smith. Sobre a cena punk da costa oeste que já está lá, acreditem, exposta no Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles sob o título do lindo disco do X “Under The Big Black Sun”, no meio de Ruscha e é claro Raymond Pettibon, irmão de Greg Ginn do Black Flag. Queria falar também que, pelo pouco que sei, o disco Rise Above do Dirty Projectors é uma regravação de memória da juventude de David Longstreth sobre o disco Damaged (estreia do Black Flag). Ele regravou o disco sem ouvi-lo de novo. Simplesmente como ele o lembrava. E sobre o quanto eu acho isso lindo e libertador. Outro possível assunto seria essas pessoas loucas e incríveis de San Francisco. Em uma das minhas colunas sobre música falei sobre Robert Crumb e a cena de Haight-Ashbury. E hoje, por acaso, andei por essas ruas e lembrei que uma frase daquele velho Pop Cult foi cortada por falta de espaço. Nela eu contava que Crumb trabalhou em Cleveland para uma grande corporação de cartões de felicitações e que seu chefe achava seus desenhos grotescos e o treinou para desenhar de maneira fofa. Crumb, mais tarde, confessou sua atração sexual por personagens adoráveis e felpudos, citando Pernalonga como o mais desejável. Ainda vou falar sobre tudo aqui.
Felipe Hirsch (O Globo)