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Meio do ano. Eu tenho escutado alguns bons discos lançados nessa primeira metade de 2010. Entre os velhos combatentes, há muito tempo retirados, destacam-se o belo disco de Roky Erickson True Love Cast Out All Evil e o incrível I`m New Here de Gil Scott-Heron. No primeiro, com o apoio e a produção da banda texana Okkervil River, o paranóico frontman da clássica banda de garagem 13th Floor Elevators nos conduz pelo seu universo transtornado. O material foi composto durante as últimas décadas. Roky afirmou ter passado os anos 80 com um marciano habitando seu corpo. Durante essa época, desenvolveu sua obsessão por correspondências, assaltando a caixa de correio de seus vizinhos e escrevendo cartas para celebridades mortas.

Tratamentos com eletrochoque à parte, a ressurreição de Roky é a oportunidade para ouvirmos o material inédito de um dos últimos dos grandes fundadores da música psicodélica e protopunk. Gil Scott-Heron gravou o disco durante esses últimos três conturbados anos de sua vida. Enfrentou uma década de internações e encarceramento para cumprir sua pena e reabilitar-se de seus vícios. O selo XL produziu um disco com textura moderna, que exorcisa demônios conhecidos desde o clássico Winter In America, de 1974, criado ao lado de seu parceiro Brian Jackson. Scott-Heron deu voz a geração do Hip-Hop e aprofundou a relação da palavra falada com a música, da canção de protesto com a soul music. No novo disco, o pai do rap diz: “se você tem que pagar pelas coisas que fez errado, eu tenho uma conta enorme a caminho”. Mas nós é que devemos, atenção e reverência, a ele. Zane Lowe, da Rádio BBC, tocou I`m New Here o anunciando como o disco mais quente do momento. Toda essa celebração é merecida.

Ainda na prateleira dos clássicos, lançaram discos esse ano The Fall, Your Future Our Clutter, e Paul Weller, Wake Up The Nation. No primeiro, Mark E. Smith fez seu disco mais acessível e “dançante”. Já o Modfather Paul Weller criou um poderoso disco com participações do gênio de Kevin Shields, do My Bloody Valentine, e Bruce Foxton, seu eterno companheiro no The Jam.

Plastic Beach do Gorillaz vai marcar o verão europeu. Não especificamente o disco, mas o show. Damon Albarn, que participa de uma faixa do disco de Gil Scott-Heron, conseguiu reunir, sob o seu comando, no mesmo palco, Mick Jones e Paul Simonon do Clash, vestidos de marinheiro. Precisa de mais? Não, mas ainda participaram do show o mitológico Bobby Womack (!), o dub pesado de Mos Def, o galês louco Gruff Rhys e a lenda incrivelmente viva Shaun Ryder do Happy Mondays! Tudo isso sob imagens dos clássicos cartoons, dos personagens da banda, criados por Jamie Hewlett. Do disco ainda participam Lou Reed, Mark E. Smith, Snoop Dogg e a Orquestra Sírio-Libanesa de Música Árabe.

O National lançou o ótimo High Violet. Há algum tempo, tive sorte de assistí-los em um palco improvisado num píer de Nova Iorque passando o som e tocando para uns trinta gatos, literalmente, pingados. A voz grave de Matt Berninger embalava uma chuva fina e constante, cantando uma, duas, três, cinco vezes a linda Fake Empire, música quase oficial da campanha presidencial de Barack Obama. Daquele tempo para cá, o National tocou no tradicional Brooklyn Academy of Music e esgotou os ingressos do show de lançamento de seu último disco no Radio City Music Hall.

Joanna Newson tocou para duzentas pessoas no Sesc Santana ano passado. E eu, bobo, perdi. Ouço bastante seu terceiro Have One On Me, elogiado disco coletado de mais de três horas de músicas gravadas no Japão. Essa garota já trabalhou com orquestração de Van Dyke Parks (Smile, Brian Wilson), foi produzida por Steve Albini (Surfer Rosa, Pixies) e mixada por Jim O`Rourke (disco póstumo de Judee Sill).

Você vai ouvir falar muito do disco Before Today da Ariel Pink`s Haunted Graffiti. Esse é candidato a melhor do ano, entre os independentes. Ariel é um dedicado devoto de Robert Stevie Moore, compositor experimental e espécie de referência no processo de gravações caseiras de baixa fidelidade. Vai ouvir também sobre o disco de estréia do The Drums. Alguns, descontrolados, dizem que não presenciam nada assim desde…ahn? o The Smiths. Ainda na linha “não acredite no hype”, o delicado Teen Dream do Beach House é uma boa escolha.

O fantástico James Murphy, e o seu LCD Soundsystem, implorou de joelhos, em show recente, para que seus fãs não vazassem para a internet o seu novo disco This Is Happening. Neste disco, como sempre, sua música dá um passo largo além da média. A grande surpresa é Janelle Monáe e seu The Archandroid: disco pop neo soul com as partes finais de uma tetralogia de suítes compostas sob a influência de Debussy e do filme Metropolis de Fritz Lang!

Se a nossa conversa continuasse, citaria ainda o intenso Brothers do The Black Keys e IRM da bela Charlotte Gainsbourg. E olha que só estamos na metade. Alguns desses discos você vai ouvir. Outros não. De muitos você vai esquecer. É assim. Outros vão te lembrar desses dias, e trazer esse ano de novo, para sempre.

Felipe Hirsch (O Globo).

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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