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“Spectacle talvez seja o melhor programa sobre música já feito”. Essa é a opinião de alguns respeitáveis semanários e revistas como a Rolling Stone, por exemplo. Apresentado por Elvis Costello, a atração revela, em conversas francas e informadas, histórias íntimas relacionadas aos momentos de criação das obras do convidado. No episódio de estréia, Elton John (produtor executivo do programa) conta como Leon Russell influenciou o seu modo de tocar piano. Demonstra isso arrancando um swing do instrumento capaz de conectar, imediatamente, Honky Cat, de seu disco Honky Chateau, com a obra do lendário compositor. Faz isso com Laura Nyro também, tocando Burn Down The Mission e explicando que seu modo de compor bridges (trechos da música que preparam o retorno às estrofes principais) foi muito influenciado por ela e seu disco Eli And The 13th Confession. Ouvir o carismático Elton John, guiado pela inteligência e a cultura de Elvis Costello, é mesmo um momento único na história dos programas musicais realizados para TV.

A palavra Spectacle remete a sociedade citada por Guy Debord, mas também aos tradicionais óculos do apresentador. Originalmente produzido pelo canal americano Sundance Channel, afiliado ao instituto de Robert Redford, a atração é um enorme sucesso no mundo inteiro. O programa está na sua segunda temporada e passa no Brasil na HBO Plus. Durante o “espetáculo”, Elvis Costello é escoltado por sua banda The Imposters, composta pelo pianista Steve Nieve e o baterista Pete Thomas, originários da clássica The Attractions, que acompanhava Costello em seus anos pós punk entre 1978 e 1986. Participações especiais dos convidados e do pianista Allen Toussaint, completam o grupo que se reveza em sessões de jams, todas com uma qualidade incomum na história da televisão.

Na primeira temporada, entre outros, passaram pelo palco do Apollo Theater no Harlem, onde o programa é gravado, Rufus Wainwright, a soprano Renée Fleming, Zooey Deschanel, Tony Bennett e até Bill Clinton. O recluso Lou Reed prestou um depoimento emocionante sobre sua paixão pelas vozes do R&B, como a de Doc Pomus e a eternamente púbere de “Little” Jimmy Scott. Em certo momento, Costello conta que ao ouvir, ainda adolescente na Inglaterra, a voz de Lou Reed, imaginou uma América que o atraiu definitivamente. A isto, Lou responde que sua Nova Iorque lhe foi contada pelo rádio também. Fala pouco de seu encontro acadêmico com o poeta Delmore Schwartz, seu mentor, homenageado em European Son, faixa 5 do lado 2 do disco The Velvet Underground & Nico. Mas reafirma sua paixão pelo poder da música popular de 3 minutos, capaz de conduzir você às lágrimas ou de fazer você, fisicamente, se levantar e dançar.

No episódio com o sábio e doce Smokey Robinson, EC diverte-se dizendo que se Frank Sinatra, Marilyn Monroe e Groucho Marx estivessem naquele palco, ainda assim, ele não estaria mais feliz. Conta um episódio da filmagem do hilário clipe de I Cant`t Stand Up For Falling Down, música da dupla Sam & Dave, regravada por Costello em Get Happy (disco mais tocado no meu quarto na minha adolescencia). Na gravação, bêbados, Elvis Costello & The Attractions tentavam reproduzir os passos coreográficos típicos de grupos da Motown, como os Temptations. O programa acaba com o apresentador emocionado, dividindo o palco com o convidado, numa interpretação de You`ve Really Got A Hold On Me, faixa 3 do lado 2 de With The Beatles, composta por Smokey Robinson.

A segunda temporada começou com uma incrível versão de Everyday I Write The Book, single do disco Punch The Clock de Costello, reinterpretada no programa por Ron Sexsmith. Uma linha de digressão para dizer que Ron Sexsmith vem desenvolvendo uma carreira irretocável com mais de dez discos repletos de canções inacreditávelmente belas. No mais recente episódio, Elvis Costello foi o convidado e não o apresentador: Batizado Declan Patrick MacManus, filho de cantor de big band, Costello foi listado, pela Rolling Stone, como um dos 100 maiores artistas da música de todos os tempos. Parceiro de Roy Orbinson, Burt Bacharach, Paul McCartney, Chet Baker; testemunha e personagem da história do punk rock; produtor do disco de estréia do The Specials pelo selo 2 Tone e do disco Rum, Sodomy and The Lash do The Pogues; autor de obras conceituais para orquestras, como Juliet Letters; indicado ao Oscar; convidado especial dos Simpsons; os inúmeros projetos de Napoleon Dynamite, outro de seus pseudônimos, poderiam encher esse Segundo Caderno inteiro. Elvis Costello é conhecido, por críticos especializados e por seu público, como a “Enciclopédia do Pop”. Spectacle é só mais um de seus brilhantes projetos.

Ele foi o cara que mudou minha cabeça, definitivamente. Isso aconteceu no dia em que eu tirei da capa o vinil 180g de Spike, obra de 1989, coloquei para girar e, com muito cuidado, pousei a agulha em cima do disco. Com Spectacle, ele fará isso com outras cabeças.

Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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