Notívago obsessivo, tenho sagrado horror ao horário de verão. Temo e tremo quando aproxima o outubro de meus desassossegos. Além de o mês guardar algumas datas que, por motivos pessoais não prezo, por nelas ter acontecido o desenlace de mortos queridos e o aniversário de outros quando vivos, ainda sofro, de brinde, o início do nefando horário de verão.

Há de concordar o leitor, é dose para cavalo. Não, eu não sou cavalo, não. Terrível olhar no relógio, constatar que já são quase 8 da noite e o sol ainda vos queima a pele. Ou, em casa, nítido ainda, amarelo-oiro, como dizia o sonetista antigo, o dia atrás da cortina, por mais fechada. A zíper, se possível. E quando chove, o que é sempre uma dádiva com ou sem horário de verão, ainda assim, a luz é intensa.

Crepúsculo à hora do Jornal Nacional, gentil leitor e ditosa leitora? Crepúsculo que se preza esgarça o céu, devagar, em minutos lentos, e costuma ocorrer, a pessoas decentes,

entre 5 e 6 da tarde.

Não sei como os guaranis paraguaios, por exemplo, donos de idioma delicado igual que a teia de uma aranha, fariam, se tivessem horário de verão. É que os guaranis têm inúmeros nomes para o entardecer. Conforme a luz e suas cambiâncias. Cinco e cinco, um nome; cinco e quinze, outro; cinco e meia, quinze para as seis, outros ainda, e assim até o sol se pôr de vez.
A deixar no lugar a noite imensa.

Horário de verão é coisa para executivo paulistano bebericar campari com gelo depois do expediente, enquanto espera o trânsito minimizar a fúria. Mesmo assim, recente pesquisa aponta 46% dos atingidos (sim, atingidos…) pelo horário do verão, contrários a ele. Minha vizinha de cerca no Boa Vista é que está certa quando me percebe, melancólico, na varandícula do Palacete do Tico-Tico, a aguardar a noite, ansioso.
“Dr. Wilson, me diga, que horas de Deus são no seu relógio?”

D. Nica, amiga de minha inolvidável mãe por mais de 40 anos, não é que não goste de horário de verão. Não, D. Nica, o que é bem diferente, não acredita em horário de verão! Adianta os relógios por obrigação e começa a se confundir. E segue assim até quando a hora criada por decreto também por decreto seja extinta.

Por isso, vive a me perguntar, às vezes ao telefone, com o irremovível vício de me chamar de Dr.

— “No relógio de Deus que horas são, Dr. Wilson?” Às vezes me atrapalho, se o horário é quebrado e tenho que subtrair dos ponteiros 1 hora.

E aí é que sucede o pior!

Se erro a conta, ou tardo informar, vem de lá um impropério, com a desfaçatez de quem me viu menino:

“Nossa, Dr. Wilson! Não sei que dr. é o senhor que não sabe sequer diminuir os minutos…”

Wilson Bueno (26/10/2008) O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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