Alô, é o governador!

Não é todo dia que se acorda com um governador ao telefone. Foi o que aconteceu ontem. Eram dez e meia da manhã quando atendi à chamada: “O governador gostaria de falar com o senhor”. Confesso, por um átimo de segundo imaginei se tratar de algum trote.

E me veio à mente o jornalista Jamur Júnior, um especialista em imitar vozes e aplicar trotes telefônicos que ficaram na história. À perfeição, reproduzia a voz do ex-governador Ney Braga: “O governador gostaria de falar com o senhor”. Imediatamente Ney Braga entrava na linha. Ou seja, Jamur Júnior: “Meu caro, preciso muito de sua presença. Eu o aguardo aqui no gabinete, dentro de meia hora”.

O agraciado pelo telefonema do governador saía em desabalada carreira em direção ao Palácio Iguaçu, para dar com o nariz na porta. Informado do que se passava, o desafortunado ouvia da própria voz de Ney Braga: “Mais uma do Jamur!”

Nos idos da revolução de 64, Jamur Júnior só não foi cassado por Ney Braga porque a vítima se chamava Aníbal Curi. Convocado para o Ministério da Agricultura, Ney Braga precisaria renunciar ao governo e passar o cargo ao vice, Afonso Alves de Camargo. No entanto, a investidura do “comunista” Afonsinho sofria enorme resistência entre os militares, que exigiam também sua renúncia e a realização de eleições indiretas. Afonsinho resistia, não queria largar o osso. Depois de muitas tratativas, a vontade da caserna prevaleceu e, enfim, foi designado um emissário para levar a renúncia do vice, por escrito,
à Assembléia Legislativa.

Nesse ínterim, toca o telefone no gabinete do deputado Aníbal Curi: “O governador gostaria de falar com o senhor”.

— Aníbal, corre aqui no palácio! O Afonsinho voltou atrás. Não vai mais renunciar!

Aníbal Curi
entrou no gabinete do governador com a língua de fora e, acudido por copo de água fresca, ouviu da própria voz do futuro ministro da Agricultura:
“Essa é a última que o Jamur me apronta!”.

Ney Braga e Jamur Júnior ficaram sem se falar por alguns anos, até o dia em que ambos se cruzaram num evento, quando o ex-governador pegou o jornalista pela gola do paletó e lhe murmurou no ouvido: “Seu filho da p…!”

Ontem pela manhã, não era Jamur Júnior ao telefone. Era o próprio Roberto Requião. E só fiquei convencido da veracidade da voz depois dos mútuos cumprimentos:

— Estou aqui com o teu livro Botecário na mão, e quero dizer que vou ler essas tuas diatribes.

— Obrigado. No dia do lançamento, Doático Santos levou esse exemplar autografado para o senhor.
— Pois eu estou ligando para agradecer!

Uma cordial conversa de boteco se seguiu. Requião lamentou o fechamento do Armazém Santa Ana, tradicional mistura de boteco com mercearia no bairro Uberaba, que costumava freqüentar, e lembramos ainda do Bar dos Passarinhos. Só não contei ao ilustre interlocutor, aliás, que na noite anterior estávamos justamente comemorando com o chef Marcos Dolabela a “Lula ao Shimeji” do Bar dos Passarinhos – melhor petisco de Curitiba, segundo folgada maioria dos 14,5 mil eleitores do Boteco Bohemia.

Convenhamos, atender um telefonema matutino do governador, depois de uma noite de comemorações, deixa escapar a oportunidade de travar uma conversa mais inteligente. Melhor assim, nem trocamos considerações sobre “essa imprensa canalha”.

Dante Mendonça [29/08/2007]O Estado do Paraná

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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