A alma é fúria grande e sonorosa, a coar sombras da ânfora proibida. A mais funda sombra é o porco-demônio que pisca, nervoso, os olhos incrédulos, ri, treme-lhe a mão esquiva, o braço enlouquece, a perna adormece, o pé medita, o tronco dança maculelê, mexe-se na cadeira, levanta-se, senta na cadeira, pisca, cai-lhe o chapéu, tomba o maço de revistas “O Cruzeiro”, ergue o maço acima da cabeça, fala com a parede, com o gato d’água, discute com a sombra do próprio cabelo no lajedo, tenta torcer o pescoço de pedra e chora de rir até os dentes caírem no chão.

O porco-demônio (daimónion) é escorregoso, respira cloacas e, claro, nunca é sereno. Tem vezes o daimónion pode regar anêmonas com a marca viva que é, em sua voz, o sobrenatural, ou pode fingir que é pároco da pequena igreja do Carmo. Durante a distribuição das hóstias, pára tudo, as hóstias esquecidas no altar e, com o gesto supremo de quem vai cometer uma barbárie, cata no bolso da batina um pente e passa em seus cabelos de bolha de sabão.

Basta um leve toque da ponta do pente em qualquer parte da cabeça do pároco e – catapám – o pároco explode em plena igreja e só se podem ver os nacos dele sujando os fiéis.

Fernando José Karl

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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