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Antes de virar a primeira página, minhas expectativas não eram das melhores, pois os radares classificavam como “suficientes” meus conhecimentos do período pós-II Guerra Mundial, acontecimentos que caminharam paralelos à minha própria vida (nasci em 1947, portanto, o livro fala da “nossa” trajetória.). Suprema ignorância, pois diante do trabalho do inglês Judt, um colaborador do New York Times, pude tomar um choque de informação e, muito além disso, de postura diante da evolução histórica. Como já disse alguém:
“O passado histórico não existe. Existem interpretações de fatos históricos, leituras pessoais ou/e determinadas dos acontecimentos, quase sempre computadas ao narrador”. Interpretações se completam com informações, dados concretos que localizam no espaço o conflito bélico, por exemplo, sem entrar no mérito ou juízo de valores – discussões quase sempre intermináveis. Com exceção do nazismo, é claro! Ou quase isso.Assim, o espetaculoso julgamento de Nuremberg, que monopolizou as atenções da opinião pública pelo calibre das lideranças dispostas no banco dos réus, era fichinha diante de outras dezenas de julgamentos de menor importância (com milhares de condenados por crimes de guerra e colaboracionismo) que aconteciam em toda a Europa, já “recuperada” pelos Aliados.
Nunca ficamos sabendo, por exemplo, de crimes comuns, nem sempre ligados às ações oficiais do conflito (já terminado), como os estupros de 87 mil (!) mulheres em Viena por soldados das tropas russas que empurravam os alemães vencidos para a Europa Ocidental, em apenas três semanas de ocupação. Estes atos nunca foram considerados crimes e, portanto, mantiveram-se fora de qualquer julgamento. Afinal, guerra é guerra.
Depois disso veio a Guerra Fria.
Neste sentido, Tony Judt garante duas qualidades primordiais do seu livro: a narrativa ritmada (quase dramática); e o volume de novas informações, sobretudo das conseqüências surdas do nazismo ou – pior ainda, do orgulho alemão pelo experimento do nazismo, mais arraigado nos tecidos da sociedade do que o fascismo italiano. O ovo da serpente, Bergman sugeriu.
O ajustamento das novas fronteiras, com o fim do domínio alemão e a chegada do comunismo russo, merece do autor oportunas considerações, ainda que os fatos tenham atropelado suas pesquisas, principalmente na região das antigas Iugoslávia e Tchecoslováquia – hoje Croácia, Bósnia, Sérvia e outros luminares. A narrativa considera os acontecimentos até a derrubada do muro de Berlim, 1989. Depois disso, já é outra história. Que pode começar a partir de 11 de setembro, em Nova York.
Toninho Vaz, de Santa Teresa.
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