Foto de Kraw Penas.
Um novo livro de Antonio Thadeu Wojciechowski é sempre um acontecimento. Aos 52 anos, autor, sozinho ou em parceria, de quase vinte títulos, entre poesia e traduções, esse curitibano, senhor de rara inquietação intelectual, acaba de lançar o seu primeiro romance Assim até eu (Lagarto Editores, 105 págs., 2003, thadeudecuritiba@msn.com). O projeto gráfico que dispensa elogios é do sempre impagável Solda.
Está claro que Thadeu Wojciechowski, como é de seu feitio e perfil, jamais estrearia no ultra-explorado gênero do chamado “romance”, com um romance no sentido estrito da palavra… Me explico melhor: como já provou através da poesia e das suas mais que transalucinadas traduções, com a sede de “fazer novo”, lição poundiana o mais das vezes bem esquecida por nossos pares, Thadeu mostra ainda uma vez, alto e bom som, a que veio.
Numa prosa sem papas na língua, como sem papas na língua, e também sem nenhuma elegância, é a vida de seus torturados e torturantes personagens, oscilando sempre entre morrer afogados num tonel ou com um balaço nos miolos, Thadeu, nos 63 minicapítulos desse intrigante Assim até eu, nos dá as idas e vindas de Sandoval, Beatriz, Glorinha, Lino, Sarrafo, Canabrava, Zito, Paulo Bronha e Carrapato.
Não há aqui propriamente um personagem central, mesmo porque todos contam, e todos são de igual importância, ao mesmo tempo em que, cruel (e dilacerável) paradoxo, tudo se perde numa anonimidade que chega ao leitor feito um soco na cara. A ratatuia miúda como que se dissolve numa obscuridade sem nome nem lei.
O cenário não é o da Curitiba embrulhada em acrílicos e verdes pastos verdejantes, para turista ver, mas aquela outra cidade, por trás desta que os prospectos coloridos alardeiam, a Curitiba do Sítio Cercado e da Fazenda Rio Grande, das “invasões” e das noites sem Deus da Cruz Machado. Ou seria a do bar do Linos, na esquina da Alameda Cabral com Augusto Stellfeld?
A geografia não importa; a Curitiba que se vê em Assim até eu é a metáfora grandiloqüente da miséria humana digna dos grandes decifradores desta cidade muita vez indecifrável do primeiro, e ainda não diluído, Dalton Trevisan, aos racontos de amor e ódio, seja em prosa ou poesia, de Paulo Leminski, passando pela escritura “torniquete-vil” de Valêncio Xavier ou pelo verbo cirúrgico do enorme Jamil Snege.
Inexiste lugar para canduras nesse “romance” constituído, a rigor, não por capítulos, mas por engenhosos microcontos que vão se costurando um ao outro, ao longo do livro, num fecundo diálogo entre si, e que acabam por nos dar a história, ou o colapso final?, de pequenas estórias aparentemente malbaratadas. Eu já disse que Thadeu Wojciechowski dificilmente escreveria um romance que pudesse ser contado por telefone…
Acrescente-se ao inventivo recurso dos textos curtos centralizados nas páginas, as fotos em alto contraste, a maioria exibindo a cara do autor em épocas diversas de sua trajetória pessoal. A concepção gráfica do livro realiza-se em íntima parceria, digamos assim, com a produção dos textos. Gol olímpico de Solda ao “entender”, em profundidade, a proliferação bandida das estórias que compõem a história desse livro incomum.
Ah, não esperem requintes ou delicadezas de uma prosa quase grosseira, a expressar, como um murro, a dor que dói nas noites cachorras, nas delegacias infectas da cidade, entre policiais corruptos e a bandidagem drogada e prostituída que faz da Curitiba oculta pelos sete véus da hipocrisia uma Hong Kong chué e maltrapilha.
Polacos e novos polacos, negões e bebuns, fumeiros e trafiques, em apenasmente 105 páginas, não seria exagero dizer que Antonio Thadeu Wojciechowski alcançou escrever, nesse mais que oportuno Assim até eu, uma autêntica odisséia.
Wilson Bueno.
Wilson Bueno.
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