Natal e melancolia

Em minha ensandecida juventude carioca, nos “breves contra a náusea”, como chamava Clarice Lispector aos intervalos que eu dava, vez em quando, à insanidade, conheci Carlos Drummond de Andrade. Generoso ainda que circunspecto, o Poeta Maior também a reprovar o rali que fazia com meus vint’anos, ensinava: “Um dia talvez você venha saber o que é aceitação filosófica da vida”.

Foram necessários muitos anos de desassossego, até que eu viesse a aprender a lição do mestre. Não mais suicídios nem as desesperações cênicas e arrebatadoras que foram a marca de minha (primeira…) mocidade. Não bebo há 20 anos e deixei o cigarro há 13. Se sou mais feliz assim? Sem dúvida, ainda que a vida, sabemos, não dê trégua a ninguém.

Desconheço o que ganhei com a rebelião e o inconformismo ao jogar na lata de lixo alguns dos mais vigorosos anos de minha vida. Mas sei, e muito, o quanto ganho hoje com aceitar a vida de frente, a frio, e travar, a cada dia, o bom combate. Que não é fácil, isso ninguém duvida. Mas que de epifania, guerreiro leitor, a cada leão abatido, a cada rio de serpentes transposto, a cada abismo que vingo através de um salto, ainda que seja no escuro.

Tudo isso aí para lembrar as recentes estatísticas que vi na internet dando conta de que chegam a aumentar, na maioria dos países civilizados, em até 10% o número de suicídios na proximidade do Natal e do Ano Novo. Mesmo conscientes de que estas datas são sinistras convenções para aumentar, no atacado e no varejo, o consumo.

Não, senhores, não estou menosprezando suicídios nem o aumento no consumo, coisa aliás em que ora se empenha o des-governo da República, mas a chamar a atenção de que não devemos levar muito a sério os papais-noéis e os Réveillons que nos enfiam goela abaixo.

Aliás, acabo de receber da Cosac Naify um livrinho precioso: O Suplício de Papai Noel, ensaio de Lévi-Strauss que mata a pauladas a excitação natalina. Se um marciano descesse à Terra e visse o que fazem com o nascimento de Jesus, certamente pensaria que estaríamos chorando a Sua morte e o fim de tudo e de todas as coisas. Não há nada mais triste do que a tal de “Noite Feliz”. Feliz aonde? É de matar criancinha de colo – do primeiro ao último acorde.

Aproveito a data para presentear alguns amigos queridos, nem tanto pelo Natal, mas mais, muito mais, por vencer novo ano ao lado dos que prezo ou estimo. Quanto a mestre Drummond, embora os freqüentes ataques ao bronze de sua estátua, posso dizer, com todas as letras, esteja ele onde estiver, que tenho conseguido, sim, até nos fins-de-ano, -quem diria, poeta? – aceitar filosoficamente a vida.

21/12/2008 

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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