Ms. Morrison dispara um inglês incompreensível, novaiorquino demais ao momento e à ocasião. Para os índios, claro, tanto faz – português, ou inglês, é tudo um arrazoado extra-terrestre…
De cócoras junto ao pano sujinho, na calçada, lembro a bisavó guarani – uma das mais remotas lembranças de minha vida -, caçada a laço no interior paulista. Levanto – do chão onde estão expostas as artesanias índias -, a pequenina escultura de um quati, feita a canivete, na corticeira, madeira muito própria para isso.
Não sei por que me vem à mente a imagem – jamais esquecida – do meu compadre Jamil Snege que, vez ou outra, aplacava neuras e ansiedades, esculpindo coisinhas miúdas nos pedaços de corticeira que Aroldo Murá lhe trazia da chácara de São José dos Pinhais. Mas o Turco, claro, é só uma saudade.
Apresento o artesanato e explico a Ms. Morrison que aquele animalzinho ali é o quati, típico da fauna brasileira. “Coêití?” – se espanta a escritora, curiosa, menos pelo bicho em si do que pela estranheza com que a palavra a desafia. A indiazinha, vestido de chita, pés no chão, cabelo ao vento, ri escondendo a boca. Com as duas mãos. Ms. Morrison não entende, e quer explicações, que eu também não sei dar, por quê o rabo do quati é quase maior do que o corpo… “Brazilian animal” – desconverso, tentando sair pela tangente.
“Brazilian animal? Like the tiger?” ( Animal brasileiro que nem o tigre?) “Não, Ms. Morrison, o tigre não é um animal brasileiro. Aqui temos um similar – a onça pintada.” “Once pintêda?” “Não, Ms. Morrison, não é “once” nem “pintêda”… A afetuosa Nobel de Literatura, de uma simplicidade sóbria, contida, tenta mais umas duas ou três vezes, a intervalos gargalhantes, pronunciar “onça pintada”, sem conseguir dar à “onça” o nome que a onça merece.
Pago os 10 reais com que, as mãos espalmadas, a indiazinha me informa o preço do quati. Presenteio Ms. Morrison com o típico bichinho tupiniquim, sem deixar de lhe informar que, por sua docilidade, ele é quase sempre brinquedo e animal de estimação entre as crianças de muitas tribos brasileiras.
Encantada, e agradecida, enfia o quatizinho na bolsa, dá outro largo sorriso, e seguimos, na manhã luminosa de Paraty, nos equilibrando nas pedras centenárias das ruas – com cuidado, com muito cuidado; ela mais do que eu.
Wilson Bueno, O Estado do Paraná, Almanaque, 27 de agosto, 2006.
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